Não sabia o português tão fanático das esplanadas, mas suponho que seja um subproduto nascido da proibição.
Se o confinamento tivesse impedido que se saísse à rua descalço, não faltariam, logo que o plano de alívio o permitisse, portugueses a percorrer avenidas sem sapatos - e, pior do que isso, a partilhar fotografias de pés desfeitos.
Não estou a tentar ser engraçado, principalmente porque não tenho esse magnífico talento, o de fazer rir com a palavra escrita. Antes estou a ser dramático: o Mundo está tão estranho que a mais simples banalidade é motivo para a felicidade pura.
Também não imaginava que houvesse tantos tão disponíveis para atacar a alegria alheia, como se fosse possível combinar quem vai para que esplanada e a que horas. O plano de desconfinamento permite, as esplanadas abriram, as pessoas foram. Isto é razoavelmente simples, ainda que não seja neutro. Todos deviam saber que o ato individual em público tem consequências coletivas e que as ações coletivas têm efeitos individuais.
Se todos praticassem isto, em vez de histeria, teríamos a proliferação do fanatismo da serenidade. Não dá retorno em likes, mas talvez dê um bom mantra para partilhar: "Se não gostas de ouvir gritos, não grites".
*Jornalista
