Voltou a acontecer e ninguém pode ficar indiferente. Um grupo de peregrinos, a caminho de Fátima, foi colhido por um automóvel descontrolado. Cinco mortos, incluindo dois jovens escuteiros de 17 e 18 anos que acompanhavam os fiéis cumpridores de promessas. Ainda mais quatro feridos. E agora? Ficamos pelas lágrimas?
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A forma de sentir, viver e manifestar a fé é da esfera pessoal de cada um. Por uma ou por outra razão, sempre respeitável, são muitos os crentes que se mobilizam para uma caminhada até ao mais célebre santuário de Portugal, percorrendo distâncias que podem ser de centenas de quilómetros. É assim que em maio se formem cordões humanos que ladeiam as nossas estradas, convergindo para Fátima.
O problema é que esta forma de pagar promessas configura um comportamento de risco pouco aceitável. Não há outra forma de dizer isto. Percorrer tanta distância em grupo na berma de uma estrada nacional, que durante o dia tem imenso tráfego e pela noite atrai outros perigos, como a pior visibilidade ou os aceleras noctívagos, é uma prática muito pouco saudável. É uma questão estatística: mais dia, menos dia, os acidentes acontecem.
O que mais me incomoda é a passividade dos interessados. Os peregrinos choram, mas continuam a assumir o risco. As autoridades policiais mais não podem fazer do que anunciar o reforço de patrulhas, à procura de uma segurança impossível de garantir. A Igreja vai lamentando, mas não parece assumir o problema como seu. Fátima está muito voltada para si mesma, no seu papel de fim de linha para os fiéis peregrinos.
Retirar os peregrinos da estrada não seria só uma questão de segurança. Constituiria a normalização de um fenómeno de massas, que exige um enquadramento em várias dimensões. E aqui a grande referência é Santiago de Compostela, que formalizou uma rede de caminhos fora de estrada que se tornou num autêntico produto turístico internacional. Fazer os caminhos de Santiago, a pé ou de bicicleta, é uma experiência de contacto com a natureza, de convívio com outros caminhantes, em total segurança. Há sinalização, locais para comer, para descansar, para rezar e para pernoitar. E tudo isto é ainda elemento dinamizador da economia local.
As perguntas parecem óbvias. Por que espera Fátima? Serão os municípios, as comissões de coordenação e a própria Igreja capazes de se sentar a uma mesa, já amanhã de manhã, e começar a preparar um projeto que salve vidas e gere riqueza? Estará o Governo disposto a reservar uns dinheiros do Portugal 2020 para o efeito? Questões simples, mas de resposta difícil.