A Europa redescobriu a indústria. Comissão Europeia, governos de diversos países e analistas os mais variados têm vindo a insistir na necessidade de dar prioridade a uma política de reindustrialização. Nesta inflexão terá pesado, porventura, o bom desempenho da economia alemã em grande parte sustentado num tecido de pequenas e médias empresas industriais. A manutenção dessa base produtiva permitiu à Alemanha manter a articulação do triângulo formação-investigação-inovação e reforçar a sua capacidade competitiva. Sem grande alarido (não têm muitos prémios Nobel, nem universidades entre as mais badaladas nem, sequer, escolas de negócio nos tops) mas com a eficácia germânica. O aparelho educativo e formativo tem uma ligação próxima ao mercado de trabalho, destacando-se a formação em alternância e a importância dos politécnicos, tanto mais respeitados quanto menos macaqueiam as universidades. Na inovação os incentivos acentuam a preocupação com o resultado final. Subjacente a tudo há um quadro institucional multifacetado em que trabalhadores e empresários, ou mais apropriadamente trabalhadores e gestão, têm conseguido encontrar novas formas de colaboração, que os têm mantido no coração das soluções competitivas encontradas. Produtos (bens mas também serviços) bem concebidos e melhor manufacturados são um desfecho natural deste enquadramento. Como natural é que se revelem apetecidos nos mercados externos mais díspares, desde a China aos Estados Unidos, onde os alemães ensinam a concorrer com base na qualidade, furtando-se à ditadura do preço.
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A Alemanha é uma lição e uma inspiração. Pode-se aprender com ela. Tentar imitá-la, seria um empreendimento condenado ao fracasso, tanto em Portugal como na generalidade dos países. Há um quadro institucional, que vai dos valores de base até à relação capital-trabalho, passando pela história, pelo caminho percorrido, pelas leis e pelo funcionamento das instituições propriamente ditas, que não é possível replicar num contexto diferente. Por isso, quando se fala e, do meu ponto de vista, bem, da necessidade de uma nova política industrial há-de exercer-se cuidado no seu desenho. Embarcar, acriticamente, na cópia de receituários, mesmo que de sucesso, é meio caminho andado para o fracasso. Pior só mesmo quando se decide copiar experiências falhadas (por exemplo, da França) como, insistentemente, se tem feito entre nós.
Não ser "macaquinho de imitação" não implica cair na tentação de inventarmos a roda. A política económica e, dentro dela, a política industrial não pode obedecer nem enfermar de uma lógica bipolar. Não replicar não significa, bem pelo contrário, não aprendermos com os outros. Tal como melhorar não passa por ignorar o que se fez no passado e, muito menos, fazer tábua rasa do que já existe no terreno. Parece óbvio. E, no entanto, governo após governo, por vezes até do mesmo partido e com o mesmo primeiro-ministro, têm vindo a repetir esses erros.
Na ânsia de deixar uma pegada, propõem-se soluções inéditas e nunca testadas com o pretexto da singularidade da nossa envolvente e da escassa dimensão do nosso mercado. Nos tempos que correm, se escasseiam argumentos ou a coragem para assumir a decisão, pode ainda invocar-se exigências da troika cujas costas são, convenientemente, largas. É o que parece ter sucedido com a ideia da chamada holding portuária.
Noutros casos, confundem-se desejos com realidade. Em vez da análise concreta da realidade concreta, torcem-se os dados para que estes caibam no modelo arquitectado. Começa-se a casa pelo telhado. Criam-se estruturas, dão-se-lhes nomes, elabora-se uma narrativa e, essa é a parte pior, ajustam-se os incentivos sem cuidar dos destinatários. Quem não estiver em conformidade, mesmo que esteja a ter resultados, está mal. Por definição. Se o modelo não funciona, um novo (ou o mesmo) governo acrescenta-lhe a palavra "novo", reformula a narrativa, retoca a estrutura organizativa, troca alguns incentivos e, tal como os anteriores, garante que agora é que vai ser. Faz de conta.