Uma das formas de fazer política é falar dos seus efeitos. Ou seja, é falar das nossas coisas de todos os dias. Do nosso dia-a-dia. Neste momento, falamos todos mais de política do que esperávamos que acontecesse. Não por nossa vontade, própria e específica, mas, mais uma vez, por causa dos efeitos das nossas decisões ou, pior, das nossas "não decisões" políticas. Ou melhor, por causa das políticas que todos nós abandonámos às mãos dos que, depreciativamente, chamamos "políticos".
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Alguém um dia disse que as guerras são assuntos demasiadamente sérios para serem deixados nas mãos dos militares. A verdade é que algo de semelhante podemos dizer a respeito da política. Ou seja, que se trata de matéria demasiadamente importante para ser deixada nas mãos dos políticos. Ou dos que dela fazem a sua única profissão. O facto é que nos últimos tempos temos vindo a assistir ao alastramento desta espécie de alienação pela qual todos estamos já a pagar um preço muito elevado mas que, seguramente, não vai ficar por aqui.
Até há bem pouco tempo, a noção que tínhamos era a de que não estávamos lá muito bem mas, enfim, havia quem estivesse pior. Certo que continuava a haver pobres em quantidade maior do que seria desejável mas, enfim, as IPSS iam minorando as carências. Certo que havia desemprego que de temporário, rapidamente, se tornou de longa duração, mas, enfim, era a conjuntura e a segurança social lá ia dando sentido ao estado social. Certo que havia estratos populacionais especialmente causticados como era o caso dos jovens precários ou dos licenciados à procura do primeiro emprego mas, enfim, a solidariedade familiar ou a mobilidade territorial ou mesmo internacional ou, ainda, as novas profissões ou as indústrias criativas, lá iam minorando os efeitos negativos deste absurdo social. Certo que a instabilidade e a quase total imprevisibilidade em relação ao dia de amanhã atingia todos mas, enfim, a ideia da chegada definitiva à era da globalização como mudança de patamar civilizacional, lá ia servindo de cenoura generosamente pendurada à frente dos nossos narizes como sinal de esperança.
Porém, subitamente, o que parecia uma questão doméstica ou apenas um pouco mais do que isso, transformou-se numa catástrofe e o céu desabou sobre as nossas cabeças, deixando tudo e todos literalmente... "à rasca"! E, agora, já não é apenas o enrascanço de uma só "geração" que, de resto, rapidamente verificou que, realmente, não estava só e que o problema não era, de todo, nem geracional nem exclusivo de um tempo ou de um espaço ou de um grupo e, nem sequer, de uma só política. Era, de facto, uma questão muito mais grave do que isso: eram instituições à rasca, num país à rasca, numa Europa igualmente à rasca e num Mundo não menos à rasca!
Ou seja: o morno sentimento de que apenas tínhamos "uma crise" doméstica e de que umas simples eleições iriam resolver, porque a grande questão era de protagonistas, chegou ao fim. A verdade é que estamos perante uma questão eminentemente política que extravasa largamente o nosso espaço e que não é apenas dentro dele que tem - ou terá - solução. É que, decididamente, o problema não é de protagonistas mas sim de políticas e de instituições que as protagonizem. Ainda que seja certo que não há boas soluções sem bons protagonistas e boas instituições. E tanto mais assim é quanto mais as políticas e as instituições mais se identificam com os protagonistas. Como é, por exemplo, o caso da chefia da República (res-pública) em que uma política e uma instituição se condensam num único protagonista. Com a responsabilidade inerente. Que esperamos ver assumida.
Preparemo-nos, pois, para recomeçar a falar de política porque a batalha em que já estamos envolvidos é demasiadamente perigosa para ser deixada, apenas, nas mãos dos profissionais dessa guerra.