Fecha-se uma coabitação pacífica entre Belém e S. Bento
O presidente da República não terá ficado assim tão surpreendido com a decisão do primeiro-ministro em manter João Galamba como ministro. Porque Marcelo Rebelo de Sousa sabe que, tal como ele próprio, António Costa é forte na tática política.
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E aí o jogo faz-se tendo como único fim o ganho do próprio e da sua esfera de atuação. Neste caso, para um ganhar, o outro teria de perder. Costa percebeu isso muito bem. Marcelo também.
À hora em que escrevo esta crónica, nada se conhece do que o PR irá dizer ao país, mas sabe-se que esta crise ultrapassa muito o episódio que envolve o Ministério das Infraestruturas e o ministro João Galamba. Há várias semanas que o tema da dissolução da Assembleia da República entrou no espaço público mediático a propósito de vários "casos e casinhos". Isso aconteceu, porque os média noticiosos intensificaram essa agenda e porque Marcelo Rebelo de Sousa também adensou essa tematização, mesmo quando dizia não querer falar do assunto. Todos sabiam que o tópico desgasta o Governo e, certamente, irrita Costa que, no entanto, foi tentando ensaiar em público a desvalorização da temática.
O caso do adjunto do ministro das Infraestruturas que tomou notas numa reunião, sem disso fazer o devido relatório na altura certa teria um significado de uma nota de rodapé, não se desse o caso de ter sido integrado num dossier de altíssima noticiabilidade e ter sido aproveitado pelo primeiro-ministro para reposicionar S. Bento em relação a Belém.
Qualquer que seja a decisão do PR, António Costa, ao não aceitar seguir a vontade de Marcelo Rebelo de Sousa, mostrou que quem manda no Governo é ele; que não teme eleições antecipadas e, em caso de bomba atómica, o responsável mora em Belém, porque em S. Bento aquilo que se fez foi seguir a consciência e defender quem se considerava não ter culpa do que sucedera. Parece uma coisa muito simples, mas, atendendo que Costa joga como ninguém o xadrez político, a tática terá sido de mestre. Pelo menos, a curto prazo.
Depois disto, a coabitação Belém/S. Bento sofre um sério revés, talvez mesmo irreversível. No Governo, haverá menos tolerância para deixar o presidente da República intrometer-se em assuntos da governação e, quando estiverem juntos, Marcelo e Costa deixarão de ser o tal Dupont e Dupond, com benefícios mútuos para cada um deles e, por extensão, para o país.
Fecha-se, portanto, aqui uma coabitação pacífica. Em Belém, o presidente ficará mais sozinho e deixará de ter uma base para falar ao centro. Em S. Bento, seria prudente contar com uma força de bloqueio que, por ser imprevisível e demasiado irrequieta, poderia dar mais dores de cabeça.
*Prof. associada com agregação da UMinho