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A imigração ocupou o espaço mediático dos últimos dias, por via da desproporcionada e pífia operação policial no Martim Moniz mas também pelo debate sobre o chamado turismo de saúde. Comecemos pelo conceito, porque aí reside o primeiro erro. Não se trata de turismo de saúde, um setor estratégico em que um país como Portugal deveria apostar. O que está em causa é o acesso de estrangeiros ao nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS) de forma gratuita. E estrangeiros em situações muito diversas: turistas que estão cá de férias, imigrantes que cá vivem e trabalham - com a situação regularizada ou ainda nas teias da burocracia - e pessoas que se deslocam propositadamente a Portugal, por vezes auxiliadas por redes criminosas, para usufruírem de um dos sistemas de saúde que, não obstante todos os problemas, é dos melhores do Mundo.
Agora, os números. Dados da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), os únicos de que dispomos para aferir a dimensão do fenómeno, dão conta de que em 2023 foram atendidos 102 mil estrangeiros não residentes em Portugal nas urgências - qualquer coisa como 1,6% do total. As estatísticas não permitem distinguir os diferentes estatutos de quem recorreu aos hospitais num ano em que só a Jornada Mundial da Juventude trouxe a Lisboa um milhão e meio de pessoas.
E, finalmente, as intenções. PSD, CDS e Chega aprovaram quinta-feira no Parlamento projetos de lei para impedir que “nacionais de países não pertencentes à União Europeia que não sejam residentes” beneficiem do SNS gratuitamente. Mais uma vez, a escolha das palavras não é inocente e serve para encobrir uma agenda anti-imigração e jogar com as perceções. Ao escolher como alvos os não residentes, os partidos do Governo e André Ventura estão a fechar a porta a centenas de milhares de pessoas que já vivem e trabalham mas ainda não conseguiram obter o estatuto legal de residente. Mais urgente do que mudar a Lei de Bases da Saúde é seguramente legalizar quem está a trabalhar em Portugal. Travar o abuso criminoso por parte de estrangeiros que só cá vêm para usufruir gratuitamente de um SNS pago por cada um de nós é, sem dúvida, um imperativo nacional. Mas terá de ser por via criminal e não pela estrangulação do acesso aos mais vulneráveis.