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Diz que foi Copa do mundo, a expectativa do Óscar para a Fernanda Torres, e que ela agora é diva absoluta, consagradíssima, pisa o chão e ele leva-a num beijo, pisa o chão e ele samba. Qual Copa do mundo? Foi copa do universo.
Nas ruas de São Paulo, milhares foram na torcida, incorporando réplicas da estatueta dos Óscares nos trajes de Carnaval. Nos blocos do Rio, os imitadores de Fernanda vestiram-se das suas personagens mais icónicas. Até o Carnaval de Salvador contribuiu: enquanto uma multidão de foliões dançava na praia, uma nuvem sobre o mar ergueu-se a voar. Era uma aparição, uma deusa que surgia. Era a cara da Nossa Fernanda composta por seiscentos drones, melhores do que seiscentas velas. Nem a bandeira resistiu ao charme de Fernanda: abandonou a ordem e o progresso e agora, na festa de rua, substitui as armas nacionais.
A febre por Fernanda é sentimento, é movimento, é fé.
Eu também fui sambando. Uma enchente de Fernanda infiltrou-se nas minhas redes sociais, nos “reels”, nos vídeos, na publicidade. Quando dei por ela, chegava-me ao pescoço. Fernanda Torres a toda a hora igual a ela mesma, interessante, descomplexada, boa-onda. Fernanda falando bem, carismática, simpática, humilde. Fernanda para apaixonar, Fernanda para mirar. Quanto a mim, ela já estava totalmente oscarizada. E quem se cansa, verdadeiramente, de Fernanda sendo Fernanda? Ninguém.
Depois dos Óscares, chegaram-me ecos estranhos. Notícias de violência. A própria alertou para o problema no seu bom jeito: “Eu queria pedir, já que está todo o mundo aqui, o Brasil muito apaixonado e tal, eu queria pedir para só mandarem amor para Mikey Madison, que aquela mulher é mundo legal”.
Como foi isso, alguns de nós, os adoradores de Fernanda, mandando ódio nas redes? Como foi isso, as ameaças e os insultos em nome de Fernanda, que não ameaça nem insulta, que chega no Óscar com alto-astral?
Milhares de revoltosos atacaram as redes sociais dos Óscares, exigindo reparações e sugerindo, como vingança, deitarem abaixo os perfis dos envolvidos. Apesar de todos sentirmos a traição e o roubo, de sofrermos em nome de Fernanda, e de afinal qualquer religião ter os seus zelotas, rezemos por quem se desencaminhou.
Também eu, que não sou brasileiro, me sinto traído por nos terem roubado o Óscar. E ando há tantos dias nesta fé, neste sentimento, distraído com a Nossa Fernanda, a achá-la totalmente oscarizada, que, desgraçado de mim, ainda não arranjei tempo para ver o filme.
O autor escreve segundo a antiga ortografia