O tão longamente esperado discurso de Manuela Ferreira Leite - a líder do PSD esteve 40 dias sem dizer palavra; veremos quanto tempo teremos agora de aguardar para voltar a ouvi-la: será que baterá um novo recorde? - não parece ter entusiasmado o País.
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Ao que consta, o País regressou pacatamente ao trabalho nesta segunda-feira, sem encontrar na prelecção de Ferreira Leite motivos para festejar a chegada de um novo tempo e de um auspicioso futuro.
E, no entanto, o discurso de Ferreira Leite deve ser lido e apreciado com cuidado. Não pelas alternativas apresentadas às políticas do Governo de José Sócrates (o gabinete de estudos do PSD continua em aturadas investigações, para nos surpreender lá mais para diante), mas antes pelas acusações feitas pela líder social-democrata. Ou melhor: pela ligeireza usada nas acusações.
Eis o que disse Ferreira Leite. O País está tomado por "uma impressionante máquina socialista que controla, que persegue, que corta apoios, que gere favores ou simplesmente demite" (se o leitor não se importa, leia outra vez, para tomar boa nota da violência e da seriedade das acusações). Há mais: "Na administração pública, na vida económica, no associativismo, nos mais variados sectores podemos recolher testemunhos e exemplos de um clima anti-democrático pouco saudável e desconfiado".
A descrição da líder do PSD é assustadora. O que Manuela Ferreira Leite está a dizer é que conhece casos de corrupção e nepotismo, entre outras coisas, no seio do Estado. Ora, se conhece, por que razão os não denuncia a quem de direito? Essa é a sua obrigação enquanto cidadã e líder de um dos maiores partidos portugueses. Quem anda a perseguir quem? De que tipo de "favores" fala a ex-ministra das Finanças? Quais são os exemplos que consubstanciam o "clima antidemocrático" a que alude Ferreira Leite?
Tudo isto é demasiado grave para passar impune. Ou a líder do PSD seguiu este caminho para disfarçar a falta de ideias, o que é grave; ou a líder do PSD sabe do que fala, mas escolhe não pôr os nomes às coisas, o que é ainda mais grave. Assim de repente, Manuela Ferreira Leite faz lembrar Octávio Machado, o homem conhecido por responder a perguntas sobre casos delicados do futebol português que ele próprio aborda com um enigmático "vocês sabem de que é que estou a falar".
Ora, no caso, não chega levantar as suspeitas e a seguir assobiar para o ar. Manuela Ferreira Leite está obrigada a concretizar as suspeitas. Atirar lama para a ventoinha não é um exercício correcto. A líder do PSD não pode reclamar para si o (quase) monopólio da seriedade, para depois prestar um serviço destes à vida política.