Há cerca de duas semanas, a notícia de mais um contratempo nas obras de renovação da via-férrea entre Gaia e Espinho voltava a chamar a atenção para os atrasos no Ferrovia 2020. Pomposamente apresentado em fevereiro de 2016, com um pacote financeiro de dois mil milhões de euros, este programa previa a intervenção em cerca de metade da rede de caminho de ferro nacional, com um calendário de execução apontado para 2021.
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O primeiro problema é que ele só arrancou em 2020 e o segundo - talvez o mais grave - é que a sua execução ainda não chegou a um quarto do objetivo inicial, tal como alertou recentemente a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes. O regulador, de resto, chamou a atenção para um risco iminente: a possibilidade quase certa das obras derraparem para lá de 2023, o que significa perda de comparticipação dos fundos inscritos no PT 2020, cujas verbas têm de ser executadas integralmente até 31 de dezembro próximo.
Curiosamente, é com esta folha de serviço que uma parte relevante da opinião pública incensa o anterior ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, elogiando-lhe a capacidade de execução no domínio ferroviário. Ou os nossos padrões de exigência são baixíssimos ou estamos perante um caso de evidente criatividade na avaliação política. Talvez, neste caso, se acumulem os fatores.
Continuamos, portanto, a marcar passo num domínio fundamental da política de transportes do século XXI, estando cada vez mais atrasados face à Europa e já muito distantes da qualidade que a rede ferroviária espanhola apresenta neste momento. Basta recordar que, desde 1985, perdemos cerca de 30% da rede então disponível, enquanto os vizinhos ibéricos a reforçaram em 11% - sem mencionar a famigerada alta velocidade.
O transporte ferroviário é um investimento urgente e indispensável, quer ao nível da mobilidade sustentável, quer no reforço da articulação intermodal e no próprio transporte de mercadorias. Mas essa urgência, estranhamente, não faz escola no nosso país, que se mantém firme no desperdício de recursos e competente a atirar planos para o lixo. Se, até ao final do ano, não se fizer diferente, o destino do Ferrovia 2020 não vai ser diferente dos seus antecessores.
Presidente da Associação Comercial do Porto