Ferrovia e uma carga de trabalhos
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Foi, recentemente, notícia a hipótese de um dos principais operadores de transporte ferroviário de carga em Portugal, no caso a Medway, abandonar a operação no nosso país. Embora não seja crível que tal aconteça, não é possível ignorar as dificuldades que o setor atravessou nos últimos anos, apesar dos muitos autoelogios que se ouviram sobre ferrovia e do discurso apologético da descarbonização.
Uma coisa, de facto, é o que se diz sobre o tema e outra são as opções políticas que são seguidas. Veja-se dois exemplos: as compensações financeiras que estavam prometidas pelo Estado no pós-pandemia foram pagas às empresas de transporte rodoviário, mas não às ferroviárias; por outro lado, enquanto se discutiu durante meses a abolição de portagens nas antigas scut, passou quase despercebido o aumento de 23% na taxa de uso dos caminhos de ferro - a chamada “portagem ferroviária”.
As posições ambientalmente contraditórias estão longe, apesar de tudo, de ser a única razão de queixa por parte dos operadores. Considere-se, por exemplo, o adiamento sucessivo da reabertura da Linha da Beira Alta - uma via estruturante para as exportações nacionais - e o custo de oportunidade que isso representa para as transportadoras, obrigadas a desviar o tráfego pela Beira Baixa e impedidas de reforçar a operação. Ou o atraso, já superior a quatro anos, dos 90 quilómetros de caminho de ferro que vão ligar Évora a Elvas e encurtar as ligações entre o porto de Sines e a fronteira.
Aqui no Norte, temos também o mau contributo que a eletrificação da Linha do Minho prestou ao transporte de carga. Devido à configuração inalterada de várias estações, a obra não corrigiu a incapacidade da via para receber comboios com mais de 300 metros de comprimento, tornando impossível alcançar o objetivo das 20 composições diárias. Acresce que a interoperabilidade entre Portugal e Espanha não está assegurada, entre outros motivos pela diferença na tensão elétrica utilizada nos dois lados da fronteira.
Em suma, temos uma carga de trabalhos, num setor que teria margem de crescimento, não fosse Portugal o que é, e a ferrovia aquilo em que se tornou. Ao mesmo tempo, é um desafio para o novo Governo: apregoar menos e fazer mais nesta matéria, ao contrário do antecessor.