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O Governo terá muitos defeitos mas não é constituído por um bando de parvos. É natural, pois, o seu esforço de promoção de uma festança na sequência do conhecimento dos números finais da execução orçamental do ano passado. Passos Coelho e as suas hostes, pertençam elas ao Executivo ou aos aparelhos partidários da coligação, dispõem de legitimidade para lançar foguetes e apanhar as canas.
Algumas notórias imoralidades promovidas pelo Governo - como a de abrir a porta ao encaixar superior a mil milhões de euros pela via de um perdão fiscal a contribuintes relapsos - permitem às várias oposições ensaiar argumentações críticas, mas são insuficientes para fazer desmoronar "o facto": o défice do Orçamento do Estado de 2013 situa-se muito abaixo dos 5,5% contemporizados pela troika.
Dispor de memória e capacidade de abertura ao reconhecimento de erros de análise são dois itens reveladores de probidade. Exatamente há um ano, os dedos de uma só mão bastavam para contar os crédulos no cumprimento das metas orçamentais, mesmo após a passagem negociada dos 4,5 para os 5,5% de défice na celebrizada e dura 7.ª avaliação do programa de assistência. Caracterizada por um "enorme aumento de impostos", a projeção orçamental realizada pelo então ministro das Finanças, Vítor Gaspar, era prenúncio de um aprofundamento da crise económica - e até o presidente da República exprimia pessimismo e alertas para a espiral recessiva. E afinal......
Goste-se ou não, a execução orçamental de 2013 fica marcada, insiste-se, pelo sucesso.
Conversados sobre o reconhecimento do essencial, não deixa de fazer sentido recorrer a uma análise mais fina sobre as razões pelas quais houve tão bom comportamento nas contas públicas. E se alguns indicadores saíram alavancados por uma imprevisível retoma da atividade económica nos últimos três trimestres, há uma alínea a saltar à vista sem recurso a lentes de aumento: a exponencial captação de impostos, garantindo mais 13,1% de receita fiscal aos cofres do Estado!
O número mais impressionante de todos: de 2012 para 2013, o IRS pago pelos portugueses sofreu um aumento de 35,5%. Para se ter uma noção ainda mais perfeita: de um ano para o outro, aos bolsos dos portugueses trabalhadores foram retirados mais 3,222 mil milhões de euros em IRS, ampliando-se a receita neste domínio para um total de 12,3 mil milhões! O mais fiel dos retratos da austeridade.
Um tão elevado contributo fiscal para a obtenção de uma meta de défice abaixo da previsional acaba entretanto por colocar a nu a grande pecha de mais de dois anos de governo: a incapacidade de proceder a mudanças estruturais do Estado das quais resulte um emagrecimento de um monstro teimoso na continuação do contraciclo ao setor privado.
Assim como assim, na hora de se disfarçar esse falhanço crucial para um bom desempenho futuro do país, bem andaria o Governo se ao seu capitalizar político dos méritos do cumprimento do défice juntasse uma palavra de agradecimento aos portugueses pelos sacrifícios por que têm passado. Seria justo.