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A vitória de Alberto João Jardim nas eleições regionais do passado domingo, na Região Autónoma da Madeira, vai tornar-se provavelmente no seu epitáfio. Ganhou, com 48% dos votos, 53% dos lugares da Assembleia Legislativa Regional. O que, aritmeticamente significa que a maior parte dos eleitores deixou de confiar nele e que conserva o poder por força das fórmulas constitucionais que regem a conversão de votos em mandatos, segundo a ordem democrática que, de muitos modos, sempre desprezou. O prognóstico envolve algum risco mas parece remota a hipótese de o "eterno" presidente do Governo Regional conseguir transfigurar-se ao ponto de sobreviver às tremendas complicações que ele próprio encaminhou para o mandato que agora inicia. Não que estas complicações sejam maiores do que outras que soube enfrentar no passado, com sucesso: arrancar do subdesenvolvimento um território e uma população marginalizados por um poder central distante e incompetente. O que não é verosímil é que a sua arrogância e incomensurável insolência consigam resistir ao confronto com o rasto de destruição lavrado pela sua ambição desmedida: obras megalómanas, vias inúteis, acrobacias financeiras, concessão de favores, redes clientelares, perseguição dos opositores, degradação da cidadania. Uma lista interminável que todos deploram, numa indignação assombrada por larga teia de cumplicidades.
O povo tem quase sempre razão. É ao povo eleitor da Madeira e Porto Santo que devemos felicitações. O presidente do Governo Regional foi castigado com a pior votação de sempre nos 33 anos de autonomia populista, mas não lhe quiseram dar a oportunidade para fugir ao cabal esclarecimento da dívida que deixou como legado aos madeirenses e porto-santenses, nem à demonstração final dos truques que esconderá na manga para que outros a venham a pagar. Dizia aqui, há três semanas, a propósito de "caciques", que o universo cultural de Alberto João Jardim era a Idade Média. O próprio se precipitou agora a confirmar a pertinência de tal classificação, com os infelizes comentários que teceu ao delegado da Comissão Nacional de Eleições para a Madeira, o juiz, Paulo Barreto, que tinha ousado sistematizar sumariamente o longo rol das queixas recebidas. Reafirmando o seu conhecido apego às regras do jogo democrático, Jardim dispara que a CNE apenas serve para gastar dinheiro e que não lhe importa o que quer que diga. Descontados o mau feitio e a truculência, o que é verdadeiramente imperdoável em Alberto João Jardim, além do mal que fez ao povo que o elegeu, é que em vez de uma pujante afirmação do valor da autonomia, da descentralização e da regionalização, em vez da demonstração exemplar de que são as populações quem melhor sabe o que lhes convém - no governo das comunidades regionais ou locais - apenas veio dar força e munições, com os desastres que provocou, ao paroquialismo centralista que continua a atrofiar o país.
A norte, em flagrante contraste, o presidente do Governo Regional açoriano, também ele isento da limitação constitucional de acumulação sucessiva de mandatos, anunciou há dias que irá passar o testemunho a uma nova geração, não se recandidatando nas eleições regionais de 2012. Foi por sua iniciativa que tal regra foi inscrita no "Estatuto Político-Administrativo" aprovado pela Assembleia Legislativa Regional, tarefa que, na Madeira, Jardim por todos os meios foi protelando até hoje. Explicava Carlos César na noite de 7 de Outubro, em Ponta Delgada: "Fi-lo, sabendo que poderia ser o seu principal destinatário. E fi-lo, tendo a plena consciência que essa era uma boa prescrição, que evitaria e evitará maus costumes". É bem verdade que a limitação de mandatos não é panaceia para todos os males a que a democracia está sujeita. Mas nos tempos que correm, é um poderoso sinal de esperança saber que a ética republicana continua a voar bem alto nos Açores, primeiro com Mota Amaral, há 16 anos, e agora à altura de Carlos César.