<p>O que mais precisaríamos é que os acordos estabelecidos assentassem em programas políticos em que acreditássemos que fossem mobilizadores e nos abrissem uma porta para sairmos da crise</p>
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Por vontade do PCP e do Bloco de Esquerda o Governo teria caído na sexta-feira. É claro que quando o PCP apresentou a moção de censura já sabia que o seu efeito prático seria zero, porque não seria crível que o PSD, acabado de "dar uma mão ao país" ajudando o Governo a aprovar medidas de combate à crise, fosse, dois ou três dias depois, votar pela queda do Governo. De certo modo, a moção do PCP mais o voto do BE são fingidoras na medida em que pretendem um efeito que sabem que não vai ser atingido, ficando por saber, mas sendo legítimo perguntar, se quereriam mesmo esse efeito: quereriam PCP e BE uma eleição que poderia reduzir-lhes o número de deputados e não trazer nada de realmente novo à política portuguesa, a não ser o prejuízo de um acto eleitoral precoce?
Mas como toda a política é um enorme fingimento, esta semana, os mesmos BE e PCP estarão ao lado do Governo aprovando o TGV, ou o que resta dele, contra PSD e CDS, os dois partidos que se abstiveram na censura ao Governo. Foi neste fingimento que Sócrates acreditou - e acredita - poder governar. Umas medidas têm o apoio à direita, outras recolhê-lo-ão à esquerda. Até ao dia. Até ao dia em que a oposição conta espingardas e pensa que as urnas lhe darão vantagem, preferindo a verdade dos votos, ou até ao dia em que o próprio Governo for levado a ponderar que o povo já fez as pazes consigo e tente nas urnas obter outra maioria, em vez de ter andar a fingir unidade ora à esquerda ora à direita.
É óbvio que a política é um jogo. É óbvio que a democracia é também este jogo de procura dos apoios, garantindo o equilíbrio, tornando necessária esta procura de parceiros para cada medida, ou à medida de cada iniciativa. Governar com maioria é obviamente mais fácil. O problema é que a política portuguesa chegou a um ponto onde estes equilíbrios soam ao tal fingimento. Como pode o primeiro-ministro querer o apoio de quem dele diz o que disseram, na sexta-feira, PCP e BE? E estes, como aceitam estar agora ao seu lado? É uma verdade que se aplica a todos, quando o que mais precisaríamos é que os acordos estabelecidos assentassem em programas políticos em que acreditássemos, que fossem mobilizadores e nos abrissem uma porta para sairmos da crise. O que temos são acordos pontuais, pontualmente úteis, mas genericamente inúteis, que prolongarão a vida do Governo até ao dia em que ou os opositores ou o Governo, ou todos em conjunto, considerarem mais útil voltar às urnas. Uma paz podre.
Num clima destes, não é de estranhar que Pacheco Pereira pise o risco e aceda a escutas e, não podendo usá-las, nos diga que são avassaladoras. Não é com isso que consegue uma conclusão para o inquérito PT/TVI, mas atinge claramente o primeiro-ministro. Num clima destes, não é de estranhar que o presidente da comissão de ética tenha sobre o caso Mário Crespo, passado comigo e neste jornal, a leitura que tem. A sua opinião é tão válida quanto outra qualquer, mas ele não pode ver apenas o parecer do Conselho Deontológico do Sindicato e esquecer outras opiniões, como a do próprio presidente do Sindicato , expressa no apoio que o Conselho de Redacção me deu no caso. E, fingimento maior, não pode a própria comissão ignorar que, há dias, o jornalista Luís Calisto se demitiu do DN do Funchal pondo a nu a perseguição que Alberto João Jardim, usando o poder do Governo Regional, há muito vem fazendo àquele jornal. Sobre isso, nem uma palavra. Um fingimento total, portanto.
Quem parece não querer fingir é o presidente do BPI. Ulrich falou duro, esta semana, sobre o Governo e as políticas que vem seguindo. E como, pelos vistos, sabe o peso das palavras, o banco tem pronto um estudo cujas conclusões justificam a dureza do discurso. É do que precisamos: de quem fale duro sabendo do que fala. Outros, antes dele, foram também duros nas críticas, possivelmente até certeiros, mas poucos os ouviram. Culpa deles também. Tomámo-los por fingidores.