A Flávia e o Felipe, dois irmãos de 7 e 9 anos de idade, fizeram o país estremecer. Agitaram consciências, embora pelas piores razões.... Os dois miúdos, como ontem revelou o JN - cumprindo assim um papel essencial da Comunicação Social que se recusa a ser mero pé de gravador fretista - foram vítimas da insensibilidade burocrática e materialista de uma escola.
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Os pais não regularizaram uma dívida de 60 euros e durante dois meses, ao contrário de outros meninos, a Flávia e o Felipe não tiveram direito a almoço na escola. Impressionante: um magote de gente arvorada em pedagoga - ou aparentada - foi incapaz de detetar, semana atrás de semana, sinais de fome nas crianças; e quando perceberam o problema não o resolveram. A distração deu lugar a umas palas do tipo das usadas pelos burros nas quais professores e funcionários inscreveram o débito dos tais 60 euros!
Antes tarde do que nunca, o caso da Flávia e do Felipe acabou resolvido por ação da denúncia de um autarca alertado pela avó por mero bambúrrio, seguindo-se a intervenção de um vereador da Câmara Municipal de Lisboa e, por fim, de um diretor do Agrupamento de Escolas da Baixa Chiado até então deglutido em ignorância por um sistema de ensino feito de trapalhadas. No próximo período letivo a Flávia e o Felipe vão ter direito a compartilhar refeições escolares com outros meninos....
O final feliz desta história não evita, no entanto, a ponderação séria dos problemas a ela associados.
É avisado não ser redutor na análise do caso. E, por isso, para lá das deficiências da organização escolar e de quem por ela responde, a primeira linha da choraminguice das dificuldades económicas não pode servir de biombo desculpabilizador da família.
Aos encarregados de educação, os da Flávia e do Felipe, mas também dos de milhares e milhares de crianças deste país, não se pode passar um atestado de inimputáveis. Torna-se demasiado fácil culpabilizar as agruras da vida como ponto de partida para a falta de acompanhamento no crescimento e a estruturação educacional, transferindo essas responsabilidades para terceiros.
Em Portugal há a tendência lamentável de muitos pais confundirem as escolas com meros "depósitos para crianças".
A verdade, por vezes, dói como um murro numa parte sensível do corpo humano, mas não pode ser escondida.
Fazer filhos é fácil e dá prazer. As consequências do ato, no entanto, não podem nem devem ficar pela vertente animalesca.
Ter filhos implica responsabilidades. Exige-se ponderação antes de os fazer chegar ao Mundo.
P.S. - As televisões ontem, durante todo o dia, fizeram o que está transformado em moda: "montaram-se" pura e simplesmente na notícia do JN. Com raras exceções, não citaram a fonte das suas "investigações" de cu sentado. Eis o proxenetismo do jornalismo no seu melhor!