A mundialização acentuou os factores de incerteza no contexto em que as empresas actuam, adicionando elementos de forte imprevisibilidade ao que, de outro modo, eram já condições de risco. O que antes era passível de ser reduzido a cenários, e enquadrado na estratégia empresarial, passou, na nova era, para um segundo plano de preocupações. Agora a empresa tem de estar preparada para a incerteza absoluta. Como? Se a informação continua a ser importante, a inteligência económica e política ganhou relevância. A organização tem de ser mais cosmopolita, para entender e ser parte do Mundo. Um simples exercício de engenharia organizacional não basta. As pessoas, a sua qualificação, a sua mundividência e mundivivência, a sua capacidade de lidar com o imprevisto, fazem cada vez mais a diferença. Esses requisitos são tanto maiores quanto maior for o grau de responsabilidade: se, no topo, não houver quem os preencha, a empresa nunca será protagonista mas apenas seguidora, com uma probabilidade de sobrevivência mais dependente do acaso.
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Excepto para uma mão-cheia de sectores, mais ou menos protegidos, este panorama afecta a generalidade das empresas. A dimensão do desafio é acrescida para as PME, por definição menos capazes de, por si só, reunirem as condições e competências para navegar neste mar agitado. Há algumas, nascidas já neste ambiente, que o têm no seu ADN, que já não sabem viver fora dele. Mas há muitas outras que precisam do apoio de centros de racionalidade exteriores, que as ajudem a situar-se e a encontrar um rumo. O associativismo empresarial encontra aí uma justificação acrescida.
Um ambiente tão turbulento e instável coloca pressão acrescida na capacidade de resposta das empresas. A tão falada flexibilidade entronca aí. Reduzi-la aos contratos de trabalho é isso mesmo, uma visão reducionista o que, por definição, não significa que não tenha um fundo de razão. Empresários ou gestores que só se preocupem com essa dimensão serão como o jogador de ténis que olha para o marcador em vez de olhar para a bola: vai perder o ponto. No outro lado, sindicatos que insistem em modelos de contratualização e negociação pouco atinentes com a realidade actual, esquecem que a realidade prevalecerá, no limite conduzindo à falência da empresa. No mercado de trabalho, é preciso fazer a quadratura do círculo: encontrar novas formas contratuais que concedam flexibilidade de ajustamento à empresa, que salvaguardem expectativas de trabalhadores, que permitam a renovação da força de trabalho e a melhoria das suas qualificações. A situação actual conjuga o pior dos dois mundos: não concede flexibilidade, limita a criação de emprego e incentiva a precarização a qual, por sua vez, desincentiva o investimento em formação específica, pela empresa ou pelo trabalhador, cerceando a capacidade de competir da empresa. É o império do curto prazo e da inércia que favorecem a radicalização. Neste contexto, não faz sentido discutir novas formas contratuais como o chamado contrato único?
Centrar a discussão sobre a flexibilidade nas relações laborais é reducionista. Focá-las apenas nos tipos de contratos, e na maior ou menor facilidade de despedimento, é limitação acrescida reveladora da debilidade estratégica do nosso tecido empresarial. Há um outro lado nessas relações: as condições de trabalho. As mesmas empresas que reclamam flexibilidade, têm práticas de organização do tempo de trabalho cada vez mais iliberais, com horários de trabalho arbitrários, pressupondo disponibilidade para a extensão a qualquer momento ou convocação em qualquer dia. Reflectem uma visão míope, porventura racional numa lógica estritamente microeconómica, mas que perde de vista o efeito conjunto e dinâmico: colide com a vida e o bem-estar pessoal e familiar, torna a parentalidade um sacrifício, hipoteca o futuro. Não sei se pode ser classificada como uma falha de mercado mas justifica, amplamente, que o Estado lhe dê atenção: a flexibilidade requer uma visão de conjunto só possível por quem se coloque acima do plano, tendencialmente conflitual, dos agentes económicos.