Esta é a época do ano em que o espaço público é dominado pelo debate em torno das circunstâncias em que ocorrem os grandes incêndios florestais, como se tal praga pudesse ser resumida a um jogo de forças entre pirómanos e bombeiros. Fosse esse jogo o único em causa e talvez pudéssemos resolver ou até erradicar a praga, oferecendo mais homens, mais equipamento, mais qualificações, mais condições apelativas para os nossos soldados da paz.
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Infelizmente, a praga não se pode resumir a tal binómio, porque o eixo do mal reside na desertificação das terras agrícolas, que deixaram de constituir garantia de ganha-pão e por isso foram sendo abandonadas, deixando de ser limpas de todo. Eis o que pode transformar a mais pequena faúlha em gigantesco incêndio.
Em boa verdade, com ou sem pirómanos, as terras ardem muito mais facilmente quando não estão ordenadas segundo a partilha lógica das serventias industrial, pecuária e agrícola, ou seja, entre zonas de floresta, mato, sequeiro e regadio, cuidadosamente separadas por galerias e corta-fogos que interrompem a propagação das chamas e facilitam o acesso aos bombeiros.
E também falta cartografia. Não saber, como geralmente não sabemos, onde está a biomassa (o combustível do fogo) é como atirar bombeiros às chamas.
Mas houvesse ordenamento rural e certamente que não estaríamos a discutir, ano após ano, a dimensão e formato do dispositivo nacional de combate aos incêndios, particularmente nesta época em que as condições climatéricas mais os propiciam.
Parece, pois, que, sendo o abandono das terras a causa central do elevado número de grandes incêndios, deveríamos falar de políticas agrícolas. Tanto mais que o défice da nossa balança alimentar anda na casa dos quatro mil milhões de euros e um dos problemas que a crise e a troika nos trouxeram para resolvermos é o de tentar colmatar o nosso défice estrutural substituindo o mais possível importações em setores de atividade nos quais tenhamos condições de o fazer.
Ora, para obter uma inversão de atitude no setor agrícola, parece óbvio que não chegarão proclamações civilizacionais como as das vantagens ecológicas para as gerações futuras de um regresso à mãe natureza. Simplesmente porque ninguém plantará uma nogueira, um castanheiro, ou um carvalho, sabendo que dessa árvore só tirará rendibilidade daqui a dezenas de anos, quando ela tiver crescido o suficiente para poder servir de matéria-prima à nossa importante e qualificadíssima indústria de mobiliário.
Se tudo se resumir à iniciativa privada, ninguém terá força, anímica sequer, para plantar uma nogueira que só daqui a 80 anos lhe rendibilizará o investimento. E, no entanto, somos o país da Europa que mais importa madeira.