Fogos e a confiança que vai ardendo
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O drama dos incêndios voltou em força. Ao todo, já arderam este ano mais de 250 mil hectares de mato e floresta, o que representa cerca de 3% do território e um impacto destrutivo para populações locais, atividades económicas e habitats naturais. Para reforçar a tragédia, agosto trouxe perdas humanas irreparáveis e um drama social explorado "ad nauseam" pelos média.
Malgrado os excessos televisivos, a verdade é que as falhas se sucedem, ano após ano e de forma pouco compreensível. Pessoas sem auxílio, descoordenação no ataque aos fogos, falta de equipamentos e meios inoperacionais, são apenas alguns dos problemas que se vão registando e que criam uma imagem de capitulação do Estado em circunstâncias extremas. A prová-lo, o país ficou sem os dois aviões Canadair que dispõe, na pior altura do ano, vendo-se obrigado a pedir auxílio a Marrocos. Um episódio caricato, mas sintomático.
A sucessão de incidentes na fase de combate é precedida de uma falta de estratégia e ação preventiva que não tem desculpa face ao histórico recente, em particular após as tragédias de 2017. As campanhas de sensibilização e de monitorização das aldeias são importantes, mas não chegam. É preciso fiscalizar a limpeza de terrenos e punir quem não cumpre. Alargar as faixas de proteção e incentivar a gestão de combustíveis. Investir seriamente em meios de proteção e monitorização das matas e áreas florestais. Tudo recomendações que constavam do parecer da Comissão Técnica Independente e que continuam por fazer.
A montante, está o problema do ordenamento do território e da desertificação do interior. Sem presença humana e sem economia, uma grande parte do nosso país continuará a ser terreno estéril à espera de ser tomado pelo fogo. É preciso inverter esta realidade e travar uma luta séria pela regeneração demográfica e económica de um território que está cheio de oportunidades.
O partido maioritário no Governo tem especiais responsabilidades neste ponto, uma vez que é nas regiões do Interior Centro e Norte que incide uma forte base de apoio eleitoral, amplamente reforçada nas últimas legislativas. Se estas populações continuarem a sentir-se abandonadas, há o risco de procurarem alternativas que todos sabem onde estão. Antes que a confiança arda de vez, o melhor é mesmo prevenir.