Se o/a leitor/a usa a palavra do momento, deixe-me pô-la em perspetiva. Começando pelos consensos que já existem e são muito importantes. O consenso democrático. Todas as forças representadas no Parlamento e nos municípios respeitam os procedimentos democráticos. Parece um truísmo, mas se pensarmos que o partido que as sondagens colocam à frente para as próximas eleições em França é assumidamente xenófobo, ou se nos lembrarmos que o anterior Governo holandês dependia do apoio da extrema-direita, daremos o merecido valor a este nosso consenso.
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Depois, não temos nenhuma questão religiosa, étnica ou racial. É também isso que faz de Portugal um dos lugares, em todo o Mundo, que melhor combina liberdade e segurança.
A nossa democracia tem beneficiado de um sólido consenso em política externa. As grandes orientações de integração europeia, ligação transatlântica, aposta na lusofonia e nas comunidades residentes no estrangeiro, unem as políticas de quase todos os governos. Só uma vez o consenso foi quebrado, aquando da invasão do Iraque, e a história rapidamente mostrou o erro de ter querido reverenciar George W. Bush.
As questões de defesa e segurança nacional aproximam PSD, PS e CDS. Excetuada a NATO, o acordo chega ao PCP. Mesmo na educação era possível notar, desde a Lei de Bases de 1986 até ao atual ministro, um denominador comum em torno do alongamento da escolaridade e do alargamento da escolarização. Outros traços de consenso poderiam ser identificados nas políticas de saúde, segurança social, direito penal, proteção civil, etc.
Quer isto dizer que estamos providos de todos os consensos indispensáveis? Decerto que não. Basta olhar para o enquadramento institucional da atividade económica. Empresas, trabalhadores e consumidores precisam de quadros relativamente estáveis em matéria fiscal, no relacionamento com a administração pública e na justiça. A previsibilidade é, aqui, uma amiga do investimento, da poupança e da procura. Impostos que estão sempre a mudar, programas de simplificação administrativa que são interrompidos só porque mudou o Governo, regimes de licenciamento em constante mutação e uma justiça lentíssima e inequitativa, todos constituem custos brutais para a economia. Em todos seria desejável e possível um consenso de médio prazo.
Já quanto ao assunto do momento, isto é, quanto à estratégia para lidar com a dívida, equilibrar o orçamento, aumentar a competitividade, promover o emprego e reduzir a desigualdade, peço desculpa - mas acho que precisamos mais de alternativas do que de consenso, mais do debate de ideias do que do pensamento único. E estamos no tempo da clareza e do confronto, que o presidente acaba de marcar a data da eleição para o Parlamento Europeu.
Claro que os partidos pró-europeus estão vinculados às metas da União, não só para a consolidação orçamental como também para a qualificação dos recursos humanos, a coesão social e a produção e distribuição de riqueza.
Mas há vários caminhos para lá chegar. E essa oposição de caminhos, que não tem de ser "crispada", como bem recomendou Cavaco Silva, não pode ser apagada, a pretexto da necessidade do consenso ou por medo dos "mercados".
O facto é que existem pelo menos duas estratégias principais, reunindo cada uma um certo arco de forças políticas, sociais e académicas. Para uma, é fatal a continuação, sob um novo nome, do programa de ajustamento em curso, numa espécie de troikismo sem troika. A outra entende que é possível ajustar de uma forma menos violenta, incorporando medidas de relançamento económico e preservação do Estado social. É preciso conhecer estas estratégias, compará-las e, através do voto, escolher.
O meu conselho é, pois, este: não diga consenso, diga debate e decisão. Só em função do debate público e da decisão popular será possível chegar a um compromisso nacional. Precisamos de um compromisso fundado na discussão e escolha de alternativas, não de um consenso fingido, baseado na proibição de discutir e escolher.