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Não colhe o argumento, que andou por aí circular, de que falar de uma coisa que nos desagrada só contribui, e apenas para isso, para lhe dar protagonismo e continuidade.
Segundo esta tese, se escolhermos todos não falar sobre um problema, deixamos de lhe dar importância e assim vai perdendo força até que desapareça na torrente que nos toma os dias. Pois, lamento, mas não me parece. Ainda mais se esse problema é público e por todo o público conhecido. De nada vale não falarmos sobre ele, que existe e continuará a existir, mesmo que algumas pessoas, ou até a maioria, se calar. Se se censurar a notícia de uma cheia, não significa que a cheia não tenha acontecido.
Posto isto, vamos ao essencial. De cada vez, caro leitor, que colocou uma foto a mostrar o rosto dos seus filhos no Facebook, de todas as vezes que fez like a uma foto dessas de um amigo ou familiar, sempre que a comentou, encorajando, elogiando e até pedindo mais, esteve a contribuir ativamente para este ambiente, em que estamos mergulhados, de normalização do ato de expor publicamente o que deveria ser - sempre - privado. São esses gestos, mesmo que ingénuos, inconscientes (e uma inconsciência) ou até bem-intencionados, que tornam possível que programas como aquele da SIC possam ser considerados e produzidos. Todos somados, são a banalização deste mal dos nossos tempos: o estado de infantilização coletiva, ou a recusa em aceitar que para tudo na vida há consequências, por mais emojis fofos que se usem.
*Jornalista