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A vida política, económica e social do país está marcada por um jogo semântico no qual a maioria dos protagonistas utiliza o verbo agridoce para disfarçar o inevitável, muitas vezes transformado mesmo em objetivo ideológico: o empobrecimento e a concomitante perda de bem-estar dos cidadãos como saída para a crise. E abundam os exemplos de sofismas, a começar pelo da substituição do projeto de despedimento na Função Pública pelo regime de requalificação. O jogo de sombras linguístico é tanto pior quanto os estrategas nacionais são meros discípulos de grandes organizações internacionais. O suporte Excel dá para tudo....
O relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) ontem conhecido é acabado caso de como apenas se aspira a reverter a crise económica pela via do embaratecimento da mão de obra, associando-o a um garrote no consumo.
Em traços gerais, por onde vai o toque otimista da OCDE para o aumento do PIB português?
A retoma económica é defendida, numa alínea essencial, por um sonho antigo e do qual Passos Coelho e Vítor Gaspar foram vetustos defensores: as mexidas na Taxa Social Única. Em setembro de 2012, caíram o Carmo e a Trindade quando o Governo ousou propor transferir dos bolsos dos trabalhadores para os do empresariado uma percentagem da TSU; por agora, a OCDE adocica a coisa, preconizando "apenas" uma redução na TSU paga pelo patronato para os salários mais baixos. É o chamado isco para a empregabilidade pela via do mais barato, juntando-lhe a cantilena para a reformulação de uma Segurança Social em rotura.
A calibragem da OCDE para o país passar do inferno ao purgatório económico preconiza também variáveis fiscais suscetíveis de reprimir o consumo (IVA agravado para os 23% de produtos agora taxados a 6% ou 13%) e o causticar de quem herdou património ou foi levado a adquiri-lo nos tempos das vacas gordas bancárias (maior taxação sobre a propriedade, independentemente da ainda fresca reatualização e aumento exponencial de IMI). Um receituário certeiro em contraponto à intenção de maiores apoios sociais aos menos favorecidos "logo que a economia o permita"....
É, enfim, um cardápio incapaz de ser acusado de não estar apontado ao essencial: mais emprego - de preferência mais qualificado, mas também mais baratinho. E batendo numa tecla já gasta: a baixa produtividade. E neste ponto, claro, a OCDE desalinha da intenção governamental ao preconizar a manutenção dos 485 euros do atual salário mínimo. Os comentários (desalinhados) ficaram para o primeiro-ministro, disponível para subir a fasquia do ordenado mínimo para os 500 euros, mas em troco de mais flexibilização das leis laborais, acreditando ele serem as atuais um fator de estrangulamento à melhoria dos níveis de produtividade.
Assim como assim, estão elencadas várias vertentes para ficar o país mais perto do sonho do pleno emprego, ainda há dias enfatizado como objetivo de Passos Coelho. Está bom de ver: com mão de obra ao preço da uva mijona e a hipótese (mirífica) de os empreendedores investirem em organização e tecnologias de ponta, as projeções de Excel ser-nos-ão mais favoráveis. Se o Bangladesh ajudar......