Folhetim constitucional já chegou à Madeira!
A apresentação de um projeto de revisão constitucional, agora, por iniciativa de Alberto João Jardim, é apenas o último episódio do folhetim inaugurado por Pedro Passos Coelho, no Congresso de março de 2010, onde foi eleito presidente do PSD. O projeto de revisão constitucional então anunciado com pompa e circunstância nunca chegou a ser entregue na Assembleia da República, nem mesmo depois da vitória alcançada nas eleições antecipadas de 5 junho de 2011. Somando processos ordinários e extraordinários, a Constituição já foi revista por sete vezes, em 23 anos: a primeira realizou-se em 1982 e a sétima, em 2005. Sendo a revisão da Constituição uma atribuição exclusiva da Assembleia da República, qualquer deputado é competente para tomar a iniciativa de abrir o processo, "decorridos cinco anos sobre a data da publicação da última lei de revisão ordinária", conforme determina expressamente a Lei Fundamental (art. 284.0, n.0º1 da CRP). Porém, nos quatro anos que se seguiram ao Congresso de 2010, nenhum projeto apareceu, embora nada o impedisse - circunstância que não avaliza a consistência nem testemunha da seriedade de propósitos tão gravemente anunciados. Pelo contrário, à importância inicialmente reconhecida ao texto da Lei Fundamental, iria suceder uma prática governativa abertamente empenhada em ignora-la.
Corpo do artigo
Primeiro, a Constituição foi "diabolizada" como supremo obstáculo às políticas que reputavam como mais urgentes e indispensáveis, para depois se dedicarem à sua sistemática "banalização" pela prática governativa que infligiram ao país ao longo dos últimos três anos! Confirmando as suspeitas que o próprio Presidente da República pontualmente confessou, o Tribunal Constitucional foi sucessivamente confrontado com leis inconstitucionais que, no cumprimento da sua irrenunciável missão fiscalizadora, se achou obrigado a declarar inválidas. Com extrema paciência, o Tribunal Constitucional fundamentou minuciosamente cada juízo de inconstitucionalidade em acórdãos sucessivos que descrevem uma orientação jurisprudencial clara e coerente, na expectativa de que as suas razões fossem entendidas e que novas violações pudessem ser evitadas. Respeitador da fronteira que separa o poder judicial do poder político, até limitou excecionalmente os efeitos dos seus acórdãos para minimizar perturbações da ação governativa.
Ao contrário do que se insinua, as normas constitucionais que determinaram a reprovação consecutiva de três orçamentos do Estado, não constam das duas dezenas de artigos que integram a chamada "constituição económica", onde se especifica com notório excesso e manifesta inutilidade o "redimensionamento do minifúndio", o arrendamento da terra, o investimento estrangeiro e até os objetivos a prosseguir pelas políticas agrícolas, comerciais e industriais. Nada disso! As normas da Lei Fundamental que determinaram as inconstitucionalidades que foram declaradas com força obrigatória geral, são precisamente as que garantem os direitos fundamentais, reconhecidas e partilhadas pelas constituições de todos os estados-membros da União e dotadas de força jurídica vinculante pelo Tratado de Lisboa, preceitos a que estão submetidas todas as instituições e autoridades da União Europeia. À denúncia da violação da lei, da Constituição da República e do direito da União, como reagiu o Governo? Acusou o Tribunal Constitucional de irresponsabilidade por não subscrever as suas obsessões ideológicas e insultou os juízes por alegada incompetência e partidarismo.
Depois da "diabolização" da Constituição e do Tribunal Constitucional, estamos de regresso ao ciclo da "banalização" das instituições do Estado de direito e da democracia constitucional, agora, por conta do grupo parlamentar do PSD-Madeira na Assembleia da República, com a iniciativa de uma revisão constitucional para acabar com o Tribunal Constitucional! Todos sabem que não passa de um gesto patético e inconsequente. Mas visa um único intuito verdadeiro: vulgarizar o descrédito em que procuram afundar todas as instituições soberanas da República.