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Como sempre, os números estatísticos da adesão à greve geral fornecidos pelos Sindicatos e Governo não irão coincidir. Mas não será por este ponto que importa tirar ilações desta greve. O próprio facto de esta greve, depois de 22 anos, ter conseguido juntar as duas maiores federações sindicais do país, serve para pôr de aviso Governo e dirigentes empresariais. Será importante avaliar este significado, tendo em conta duas faces desta mesma moeda: por um lado, o sentido da greve, desvalorizada por andamento dos tempos e das rotinas; por outro, o carácter da grande generalidade dos trabalhadores portugueses para quem ainda vale o ditame de que "o povo é sereno".
Se em relação à primeira face é de reflectir na urgência de novas e mais mobilizadoras formas de luta, relativamente à segunda, não será de desprezar que estão criadas condições para dos "brandos costumes" se passar aos modos violentos, já tão patentes em práticas de desordem social. Esta greve deve ser interpretada como o "sinal amarelo" que vai passar a "vermelho" e não a "verde". Basta um pequeno clique.
E se se quer evitar esse clique é preciso colocar na agenda política e económica outras componentes para além das dramáticas declarações a justificarem as medidas imediatas de contenção à dívida externa. É certo que estes dois problemas concretos (desemprego e fome) derivam dos contornos da crise criada. Mas urge encará-los com tratamento urgente. De pouco valerá querer percorrer o circuito normal (mas longo) das variáveis do modelo vigente: fazer crescer a economia, criar emprego, melhor distribuição de riqueza.
Há muita gente a fazer um discurso hipócrita na definição das condições de como chegámos (nós, eles, e o país) aqui. Com a feliz instauração da democracia desde Abril, de modo incorrecto, fez-se crescer a enorme dependência do Estado, de cidadãos, empresas e tecido produtivo. Obviamente, com a falência de tanta empresa e o crescimento do desemprego, vieram os necessários subsídios. Num país que nunca soube resolver, a sério, a quota-parte possível dos contingentes de pobres, aumentaram os subsídios de rendimento mínimo. Politicamente, sem força ou conveniência para tocar nos desperdícios e mordomias a coberto do Estado e de muitas empresas, ou de um BPN ou das ilhas Caimão, ou com as regras (?) de um desvairado consumismo, a expensas dos Bancos, vemos no horizonte a bancarrota.
Vai levar tempo a sair donde estamos. Mas o combate à fome não pode esperar.