Não há fome que não dê em fartura, diz o povo e com razão (talvez com um bocadinho menos de razão agora, por causa da crise que transforma a palavra fartura numa miragem para o comum dos mortais). Na política também é assim. Vejamos o emblemático exemplo do elevado número de putativos candidatos a putativos sucessores de Rui Rio na presidência da Câmara do Porto.
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Há dez anos (Rio tomou posse, no primeiro mandato, fez ontem exactamente uma década), o então deputado e ex-secretário--geral do PSD foi uma solução de recurso em que poucos, muito poucos acreditavam. Numa eventual bolsa de apostas, teria ficado rico para a vida inteira quem apostasse na vitória de Rui Rio sobre Fernando Gomes, então regressado às origens e à espera de pública aclamação. Hoje, a dois anos de eleições autárquicas, pululam nomes no PSD, uns credíveis, outros nem por isso.
Nestas coisas de eleições, já se sabe, há um truque velho e relho: convém queimar uns quantos protocandidatos para que o verdadeiro candidato não apareça cedo de mais, expondo-se, desse modo, a desnecessárias e desgastantes críticas internas e externas. Sucede que a próxima candidatura à Câmara do Porto tem um picantezinho em relação a todas as anteriores: Rui Rio quer garantir que o seu sucessor não seja Luís Filipe Menezes. E, para isso, como se vai vendo, está disposto a fazer de tudo. Desconfio mesmo que, caso Menezes ganhe a corrida ao Porto, Rio imitará Pedro Abrunhosa: acorrentar-se-á à porta da Câmara e engolirá a chave do cadeado para impedir a entrada de Menezes nos Paços do Concelho.
Rui Rio e Luís Filipe Menezes são os protagonistas de uma guerra de custos imprevisíveis para o PSD. Os sinais até agora emitidos prenunciam uma peleja sem tréguas que, no limite, pode pôr em causa a conquista da Autarquia pelos sociais-democratas. Rio faz parte do grupo de pessoas que acham que quem não está com elas está certamente contra elas. Isto é: tem um apreciável modo de coleccionar inimigos. Menezes, por seu turno, usa magistralmente a verve para fustigar os adversários, o que, nestas coisas da política autárquica, tanto serve para dar força aos inimigos como para os afugentar.
É por isso que as partes em confronto se vêm marcando à distância há muito tempo. É por isso que nomes como Paulo Rangel, Aguiar-Branco, Ricardo Almeida e Marco António Costa surgem muito precocemente na praça pública como alternativas a Menezes. E é por isso que Manuel Pizarro, líder da Concelhia do Porto do PS e o mais que provável candidato socialista à Autarquia portuense, vem, calmamente, galgando terreno, dentro e fora do partido.
Em boa verdade, o PSD parece hoje o PS de ontem: um partido em que as facas se afiam a propósito de tudo e de nada, em que a amizade depende do objectivo e o fim justifica o meio. Virgílio Macedo, líder da Distrital do PSD, arrisca-se a ter de encomendar uma cisterna de água para apagar tanto fogo. Antes que a casa venha abaixo. Porque não falta quem, dentro do partido, a queira ver a arder, como ele sabe.