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Ainda não chegou, é certo, o momento do aperto de mão entre José Sócrates e Passos Coelho - sabe-se lá se com Paulo Portas à mesma mesa. Pressente-se, contudo, por entre a vozearia, que o registo verbal está a mudar e os decibéis a baixar. Dito de outra forma, o Governo e o maior partido da Oposição já encontraram em conjunto uma fórmula mágica para, depois da radicalização que protagonizaram, recuarem sem perder a face. Descansem as almas pessimistas: vamos ter Orçamento de Estado.
Não são necessários especiais dotes de percepção do jogo político para concluir que Cavaco Silva é quem melhor fica na fotografia. O presidente aparece como o paizinho que chamou os filhos à razão, mesmo que essa imagem resulte de os filhos lhe concederem uma aparência de autoridade.
Facto é que antes da intervenção de Belém, Sócrates e Passos Coelho estavam de costas voltadas. E que, à noite, já Teixeira dos Santos disfarçava de "repto" o que na realidade é um convite: se alguém tem mais sugestões sobre onde cortar na despesa pública, faça favor de dizer, que nós cortamos. E já Nogueira Leite, da parte do PSD, dava a entender que há caminho para trilhar, de braço dado com o Governo.
Ambas as partes emitiram sinais "convincentes e claros", para usar a expressão de Sócrates, de que a porta está a aberta para o diálogo, de que o que se passou é passado. O Governo concebeu um vastíssimo pacote de redução de despesas, que no essencial atinge a Função Pública (que novidade!) e assumiu, preto no branco, o congelamento de investimentos. O PSD saudou o gesto de "boa vontade". E, embora classificando a transferência do fundo de pensões da PT de receita extraordinária, nem se deu ao trabalho de lembrar que o PS reprovou estratagemas destes quando a autora foi Ferreira Leite. Quanto ao aumento de impostos, mais uns dias e deixará de falar nele.
Não fosse o gigantesco aperto de cinto a que todos vamos ser submetidos, dir-se-ia que tudo está bem quando acaba bem. E a tempo, já agora. Porque hoje reúnem os ministros das Finanças europeus em Bruxelas - verdadeira sede do poder - e Portugal tem de se apresentar como menino bem comportado. Não vão os mercados internacionais irritar-se ainda mais...