A16 de julho, pelas 10h15m GMT, um avião da Malaysia Airlines (voo MH17) descolou de Amesterdão em direção a Kuala Lumpur. Transportava, entre passageiros e tripulação, 298 pessoas.
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Exatamente duas horas depois, quando sobrevoava a região de Donetsk, no leste da Ucrânia, o último contacto via rádio. Logo a seguir, o avião foi atingido por um míssil terra-ar e caiu. Morreram todas as quase 300 pessoas que iam a bordo. É esta uma possível descrição da morte de tantos, num relato frio e pouco circunstanciado, mas há perguntas que têm que ser colocadas.
A primeira pergunta: quem foi?
Sobre isso, não vejo que atualmente possam subsistir muitas dúvidas: o disparo do míssil terra-ar deverá ser imputado a elementos dos separatistas pró-russos que ainda combatem no leste da Ucrânia. Na verdade, se quando o avião se despenhou as forças ucranianas disseram que tinham sido os "terroristas", e se do outro lado devolveram a acusação, foi-se consolidando, nem que por exclusão de partes, a convicção sobre a real autoria. Assim, as declarações de sexta-feira do presidente Obama em que, supondo-se que com base em informação credível, este anuncia que o disparo do míssil proveio de uma zona sob controlo dos rebeldes fortalecem a tese da autoria, mas não acrescentam nada de muito especial.
Além disso, e com a devida precaução, as gravações divulgadas pelo Governo ucraniano de conversas entre (como alegam) separatistas que discutem o derrube do avião apontam no mesmo sentido. E, finalmente, a circunstância de a Rússia, pela negativa, nunca ter atribuído o disparo à Ucrânia é suficiente, creio, para que se considere a questão razoavelmente resolvida.
A segunda pergunta: o derrube do avião é criminoso ou um ato terrorista?
Neste caso, por estranho ou até chocante que possa parecer, o mais provável é que não, já que não é plausível ter havido intenção de derrubar o avião malaio. Está em curso um conflito armado na Ucrânia, aplicando-se a ambas as partes, lá onde conflito exista, o direito internacional humanitário. Ora, este impõe como obrigação fundamental a distinção entre alvos civis e militares, e o avião da Malaysia Airlines é obviamente civil. Por isso, no caso concreto, só se os separatistas pudessem razoavelmente saber que não se tratava de um avião militar é que teriam atuado com violação das leis da guerra. Porém, voando o avião da Malaysia Airlines a 33 mil pés, não é facilmente crível que o autor do disparo (mesmo aceitando que não se tratou de um sistema automático ou semiautomático) tivesse a noção de que estava a alvejar um avião civil. O facto, e a perceção, surgem "confirmados" na gravação divulgada pela Ucrânia.
Quando muito, seria legítimo questionar por que motivo não se esperou, antes de disparar, pela definição do que era realmente o alvo. Mas o erro era possível, sabendo-se que aquela região é uma zona de guerra e que ali está definida uma zona de proibição de sobrevoo até aos 32 mil pés. Quando muito, fica outra tremenda dúvida, e tenho a certeza de que a pergunta vai ser feita nos próximos dias: por que é que a Malaysia Airlines não definiu, previamente, rotas que evitassem aquele território de guerra?
Desta forma, a acusação ligeira de que se tratou de um ato "terrorista" pode ter peso mediático e "ficar bem", mas não faz sentido à luz dos elementos que se conhecem sobre este caso.
A terceira pergunta: mas, então, ninguém responde?
Alguém vai responder, é claro. E o mais certo é que a conta chegue para pagamento a Moscovo. Numa relação de causa-consequência, só porque a Rússia armou, apoiou e financiou os separatistas é que pôde chegar-se a um conflito armado no leste da Ucrânia. E só pelo facto de haver conflito armado é que, nesta cadeia trágica de acontecimentos, foi abatido o avião e morreram centenas de pessoas. Ora, a única "virtude" desta tragédia será o facto de a Rússia - que estava já a ser acusada pelos separatistas de os abandonar à sua sorte depois de lhes ter dado "esperança" - não poder doravante continuar a apoiar e a armar os rebeldes, a não ser com custos insuportáveis. Porque nem a Rússia terá capacidade para aguentar, nestas circunstâncias, o ferrete da agressão e de mais mortes de inocentes.
Eu sei, a conclusão é horrível: a morte de 298 pessoas inocentes pode ter contribuído de forma decisiva para o fim da guerra.