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A comunidade internacional, ou, pelo menos, parte dela, começa hoje a jogar uma cartada decisiva na tentativa de colocar um ponto final na dramática situação humanitária que a guerra na Síria representa para todo um povo. Tomara que a reunião de Montreux acabe melhor do que começou. As dúvidas são imensas. Não se sabe se, no final dos trabalhos da chamada reunião Genebra II, haverá um vencedor (e esse só poderia ser o martirizado povo sírio). Certo é que o encontro arranca já com um derrotado ou, na visão mais otimista, com um parceiro fragilizado.
As Nações Unidas e o seu secretário-geral partem para as negociações com uma posição debilitada ao terem convidado e desconvidado logo depois o Irão para participar no encontro. Porquê? É simples: a organização liderada por Ban Ki-moon cedeu às pressões norte-americanas e resolveu prescindir do compromisso de Teerão, peça fundamental para a construção do xadrez sírio em paz. Não se pense, ainda assim, que o Irão é um ator ingénuo na tragédia que se desenha a partir de Damasco. Teerão não aceita participar num encontro que visa a transição política na Síria com base em "condições prévias". Quer isto dizer que não tira por completo o tapete ao ditador no Poder. A Rússia, outro dos vértices desta complicada forma geométrica, já advertiu para os riscos de deixar o Irão de fora deste encontro. Este não é, no entanto, o único imbróglio a viajar até à Suíça. O facto de terem emergido posições radicais islâmicas no seio de grupos rebeldes que o Ocidente achou poderem ser alternativa ao sanguinário al-Assad veio ainda baralhar mais as contas.
Estes dados seriam, só por si, suficientes para desconfiarmos do sucesso desta tentativa para instaurar a paz naquele país do Médio Oriente. Mas o malabarismo diplomático que antecede o encontro de hoje teve, ontem, uma revelação que nos devia fazer refletir a todos - sem exceção - sobre a hipocrisia de Estado. E, neste caso como em tantos outros, de todos os estados. O Relatório Mundial dos Direitos Humanos de 2014, documento incontornável elaborado exaustivamente pela "Human Rights Watch", não poupa a comunidade internacional - a mesma que hoje se hospedará nos mais exclusivos hotéis de Montreux - das responsabilidades no que está a acontecer na Síria. Diz a organização independente que a carnificina que se vive no país decorre exclusivamente da falta de ação das potências mundiais. Segundo o relatório de 682 páginas, "a estratégia do Governo sírio de travar uma guerra por meio de ataques a civis, bem como o aumento de abusos por grupos rebeldes, causou horror" nas populações durante todo o ano passado. Apesar desta triste constatação, prossegue o documento, "não houve pressão suficiente por parte dos líderes mundiais para cessar as atrocidades e responsabilizar os criminosos".
Todos eles estarão sentados à mesa das negociações. Talvez discutam os 11 mil sírios torturados, fotografados e mortos, cuja revelação, também ontem, chocou meio mundo. Serão dados suficientes para se acabar com o jogo desta guerra?