O fraco rei faz fraca a forte gente, como dizia Camões? Essa é uma asserção verdadeira em muitos casos, mas nem sempre. Um fraco secretário-geral não faz fraca uma forte Organização das Nações Unidas (ONU). O motivo é simples: a organização em causa, nascida em 1945, não tem um historial de grandes sucessos.
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António Guterres é, segundo o guião tradicional da política internacional, o timoneiro, mas não parece. Durante dois meses de guerra na Ucrânia, desencadeada pela invasão russa, o secretário-geral da ONU desapareceu praticamente do mapa da diplomacia. Líderes como Emmanuel Macron, Boris Johnson, Olaf Scholz e até Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, pareciam mais ativos do que uma organização onde todos se encontram com todos. A Rússia, enquanto herdeira do legado soviético, tem direito de veto no Conselho de Segurança, único órgão cujas resoluções têm caráter vinculativo. Daí que a URSS tenha usado o seu poder de veto 87 vezes de 1946 a 1989. A Rússia de Putin não hesitaria em fazê-lo de novo em 2022.
Guterres deverá chegar hoje a Moscovo para fazer prova de vida. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelenksy, considerou "ilógica" a decisão do secretário-geral da ONU de se deslocar a Moscovo dois dias antes de ir a Kiev. Mas será que essa questão de calendário é a mais importante? Guterres pediu para ser recebido no Kremlin, dando ares de subserviência perante um invasor suspeito de crimes de guerra. Sucede que a Rússia é membro permanente do Conselho de Segurança. Ou seja, um líder da ONU deveria comunicar que vai ao país em causa e não pedir com gentileza para ser recebido, como lembrou há dias Franz Baumann, ex-secretário-geral-adjunto da organização. O resultado prático pode parecer o mesmo, mas em política tudo conta. Quem não mantém a cabeça levantada arrisca-se a ser irrelevante.
*Editor-executivo-adjunto