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Falta menos de um mês para o 13 de maio que, este ano, assume em Fátima outra dimensão com as cerimónias do centenário das Aparições e a visita do Papa Francisco. Os média vão construindo diferentes ângulos para falar daquilo a que os mediólogos Daniel Dayan e Elihu Katz chamaram "eventos mediáticos", ou seja, grandes acontecimentos que ganham ainda uma escala maior devido à mediatização que sempre os acompanha. Será assim em Fátima, que aclamará com emoção Jorge Mario Bergoglio, mas será que este Papa está a fazer uma revolução?
Ao longo dos anos, os papas tornam sempre o centro um lugar nómada. Foi assim com o Papa João Paulo II, depois um pouco menos com Bento XVI e agora bem mais com Francisco. Os líderes da Igreja católica romana têm uma enorme capacidade para arrastar consigo multidões, movidas por uma fé que as viagens papais acentuam, principalmente quando essas deslocações se fazem pelo estrangeiro. Aí, atores sociais e meios de Comunicação Social unem-se para avolumar a expectativa da visita. É natural que seja assim. Todavia, também dentro de portas Bergoglio tem uma assinalável popularidade. Há poucos dias, o site italiano Linkiesta assinalava a diferença entre a participação dos italianos nas cerimónias dos 60 anos do Tratado de Roma e na peregrinação que o Papa fez nesse fim de semana a Milão. Os jornalistas sublinharam "a multidão monstruosa" que acompanhou o pontífice e "o número ridículo de participantes" que celebrou o ato fundador da União Europeia.
Não se pense, porém, que Francisco é unânime. Não é, nomeadamente nos sectores mais conservadores da Igreja, que não lhe poupam amargas críticas. No início deste ano, diversos cartazes de origem anónima foram espalhados por Roma com fortes críticas ao Papa. Neles, sobressaia uma sarcástica pergunta: "Onde está a tua misericórdia?". O Vaticano percebeu bem a mensagem. Estava ali a resposta à ousadia que Francisco manifestou quando pôs em causa o poder da Ordem da Malta e dos Franciscanos da Imaculada ou quando arriscou ignorar certos cardeais. Em surdina, a fação mais tradicional do Vaticano vai fazendo passar a ideia de que a renúncia do Papa não é para colocar de lado, quando já há o precedente de Bento XVI. A pressão é máxima à volta da Praça de S. Pedro, embora a hierarquia mais corrosiva da Igreja não tenha coragem de assumir o complô...
Francisco vai procurando gerir a oposição que encontra a cada passo. Beneficiando de um ambiente mediático muito favorável à sua mensagem, este Papa tem, nestes quatro anos do seu pontificado, conseguido criar uma generalizada perceção de que existe uma revolução em curso. Esta semana, a revista "Courrier Internacionale" concede-lhe amplo destaque, abrindo um extenso dossiê onde se afirma que estamos perante o único líder mundial próximo do povo, arriscando ampliar um discurso anticapitalista que confere centralidade àqueles que foram atirados para as bordas da sociedade. Ora, num tempo em que a Esquerda laica se revela incapaz de reabilitar esses deserdados do sistema, a posição de Jorge Mario Bergoglio é de contracorrente. E popular. No entanto, há uma reforma que continua por fazer: a dos dogmas da Igreja.
É verdade que o Papa Francisco tem no acolhimento de todos uma intenção presente em cada discurso, mas a Igreja continua a não reconhecer a comunhão aos divorciados, os direitos dos homossexuais, a ordenação de mulheres, os métodos contracetivos ou as crianças fora do casamento... São muitas limitações para uma religião que, nestes anos, tem fechado demasiadas vezes a porta a pessoas com fé. Essa gente viu neste Papa uma via de esperança, mas Francisco parece ter pouco poder perante um Vaticano organicamente avesso a mudanças e com regras que parecem fossilizadas há séculos.
Nestes dias, iremos falar muito de Francisco e de Fátima. A religião católica estará muito presente no espaço público (mediático), mas convém não perder de vista que há mudanças que se impõem. Para que as pessoas com fé se sintam integradas na Igreja que os homens constroem.
* PROF. ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA U. MINHO