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Recordo, do meu primeiro curso de Finanças na Faculdade de Economia do Porto, uma frase da autoria de Benjamin Franklin: "Há duas certezas na vida - a morte e pagar impostos". A vida tem-me ensinado que assim é, mas também me tem mostrado o esforço que a humanidade desenvolve para fugir a um e a outro. Com forte instinto de sobrevivência, procuramos, desde sempre, conjurar, afastar ou atrasar a morte. De igual modo, a evasão e fuga aos impostos são uma marca da história humana. Os súbditos sempre se rebelaram por causa do tributo a pagar aos seus senhores. Hoje em dia, na economia global, o recurso a jurisdições com regime fiscal mais favorável (paraísos fiscais ou offshore), tornou-se prática corrente. São várias as motivações que podem levar ao uso de tais paraísos: a obtenção de vantagens competitivas através da redução de encargos fiscais, a ganância de querer ganhar mais fugindo aos impostos, ou a vontade de esconder e lavar o dinheiro sujo de negócios ilícitos e criminosos.
A existência e uso de offshore não é necessariamente ilegal. Mas a ocorrência, senão mesmo coexistência, nessas praças financeiras, de operações legais, de operações de lavagem de dinheiro ilícito ou de financiamento de atos criminosos, obriga a um juízo ético de censura geral uma vez que se revela difícil "separar o trigo do joio". Em tempos em que, a bem das finanças públicas, se exige aos cidadãos grandes sacrifícios, é muito difícil de explicar a legitimidade destas operações, e em especial quando envolvem figuras proeminentes da finança e da política mundial.
O caso dos Panama Papers trouxe novamente a questão das offshore para as primeiras páginas dos jornais e dos noticiários. Mas os paraísos fiscais existem um pouco por todo o lado, mesmo dentro do território americano ou da Europa mais desenvolvida. É usual distinguir entre as offshore cooperantes e as não cooperantes, entre aquelas que ajudam as autoridades a perseguir os crimes fiscais e as que não ajudam. Mas esta distinção entre boas e más offshore é difícil de perceber e explicar. É legítimo duvidar se as más não se servem das boas, e as boas das más. Várias iniciativas internacionais, como por exemplo da OCDE ou da Financial Action Task Force têm lutado contra o uso ilegítimo destes paraísos. Apesar dos avanços verificados, o seu uso continua a proliferar e, nos dias que correm, certamente para fins obscuros.
Não valeria a pena, pura e simplesmente, acabar com tais paraísos para pôr fim ao inferno que já representam? Tudo leva a crer que sim, mas tal exige um esforço de cooperação e coordenação entre países sem precedentes. Será que a economia global, a inovação e a sofisticação legal, fiscal e financeira criaram um monstro que deixamos de poder controlar, tal como a criação de Victor Frankenstein na famosa novela de Mary Shelley?
ECONOMISTA