Foi por mero acaso que, esta semana, ao rever umas quantas fotografias caseiras, o olhar pousou na frase de Edmund Burke imortalizada nas paredes do Trinity College, em Dublin, capital da Irlanda. "
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"A raiva e o frenesim destroem mais em meia hora do que a prudência, a deliberação e a previsão podem construir em cem anos", escreveu o político e filósofo do século XVIII, um liberal no seu tempo, mas que hoje é apontado como um dos teóricos do conservadorismo. Achei há uns meses que valia a pena fotografar aquela parede e confirmo agora que não foi um gesto inútil. Não é preciso ser um conservador para concordar com Burke. Também nós vivemos por estes dias tempos de raiva e frenesim, em que demasiados agentes do Estado se atropelam para demonstrar que são implacáveis no combate à epidemia de Covid-19, quando talvez fosse de lhes exigir, isso sim, uma pitada de previsão, uma boa dose de prudência e sobretudo cuidada deliberação. Quando as decisões são tomadas de forma apressada (por exemplo, quando fecham primeiro os serviços que estão mais longe dos principais focos da epidemia, como aconteceu com as universidades), quando as decisões se contradizem umas às outras (o que alguns fecham, os vizinhos mantêm aberto, como acontece com as câmaras municipais e as suas piscinas municipais, bibliotecas, museus e pavilhões), mesmo o cidadão mais informado corre o risco de entrar em pânico. Que é como quem diz que facilmente se deixará tomar pelo medo, intolerância e finalmente discriminação à mera presença nas redondezas de um cidadão oriundo de Felgueiras ou Lousada. Ou que açambarcará todos os rolos de papel higiénico, comida congelada e conservas que couberem no carrinho de supermercado. Como já escreveu o Pedro Ivo Carvalho neste mesmo espaço, há vida para além do coronavírus. Sem frenesim. Com prudência.
*Chefe de Redação