"From gloom to boom": uma visão sobre o Porto
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Há meio século, Charles Landry esteve no Porto, pela primeira vez, e viu uma cidade marcada pelo gloom - sombria, melancólica e cheia de edifícios degradados. Quando regressou, há um par de anos, ficou espantado com o boom turístico e urbano da Invicta, surpreendendo-se com um processo de transformação tão marcante e estrutural.
O ensaísta inglês partilhou estas memórias na conferência que protagonizou na passada semana, no Palácio da Bolsa. E mostrou que um olhar externo e desinteressado pode fazer um diagnóstico muito mais honesto sobre a evolução do Porto nas últimas décadas, do que muitas autoridades locais e nacionais, que insistem em visões catastrofistas.
Landry sublinhou a atratividade que o Porto hoje gera a nível internacional, seja de visitantes, novos moradores ou investidores. Elogiou a presença de nómadas digitais, de negócios de vanguarda no setor tecnológico e de projetos de referência ao nível da incubação de empresas, da cultura e da arquitetura. Também não escondeu que existem ameaças relacionadas com este fenómeno, recorrendo a uma expressão marcante: o risco do Porto se tornar "numa cidade que já não é ela própria".
Defensor de um processo de decisão política que seja "estrategicamente orientado", mas "taticamente flexível", o convidado da Associação Comercial do Porto deixou várias pistas para o futuro da cidade. Uma das mais marcantes foi assumir que a discussão não se deve centrar num "sim ou não" ao turismo, antes compreender que tipo de turismo queremos - fazendo a apologia de uma experiência mais rica, integradora e capaz de aportar valor económico. Por outro lado, defendeu a importância de existir uma boa articulação entre as autoridades e comunidades de moradores, com vantagem ao nível da mediação de conflitos, da prevenção da criminalidade ou do controlo sobre a animação noturna. Finalmente, na mais sonante das propostas, apelou à preservação da identidade local: uma cidade de escala humana, com comércio de proximidade e onde o antigo conviva em harmonia com o moderno. "É isso que caracteriza as grandes cidades", assinalou.
Charles Landry deixou-nos um bom retrato sobre a evolução do Porto e um desafio pertinente para o futuro da cidade. Como exercício crítico foi exemplar e oportuno, impelindo-nos a fazer escolhas informadas e consequentes no dia 12 de outubro.