Fui a Nova Iorque e a única coisa que trouxe foi esta mísera crónica
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Mais do que uma grande cidade, Nova Iorque é uma ideia. Nova Iorque é quase tão familiar como completamente estranha. É um lugar de possibilidades em que sentimos que tudo pode começar e onde tudo pode acontecer. Exceto duas coisas: sítios para nos sentarmos e sítios para ir fazer xixi. No primeiro caso, é realmente impressionante. Eu vi pessoas deitadas de barriga para baixo com metade do corpo no passeio e a outra metade numa ciclovia. OK, foi uma pessoa só. Mas fiquei tão preocupada – não só porque podia estar morta, mas porque podia ser uma daquelas cenas do “E se fosse consigo” e quem sabe se não estaria ali a Conceição Lino a analisar a minha falta de humanidade – que pedi ajuda a um senhor que limpava a rua e que, depois de me dizer “não temos autorização para tocar em pessoas caídas no meio do chão”, lá sacou da vassoura e deu umas vassouradas nas costas do indivíduo que não se mexeu um milímetro. OK, morreu. Cátia viciada em true crimes entra em ação. Vou ter de chamar a Polícia. De repente, vai-se descobrir que se trata de mais uma vítima de um assassino há muito procurado. Vou ter de cá ficar porque vou servir de testemunha e estes processos podem ser longos. A Netflix investe 37 milhões de euros e escolhe a Charlize Theron para interpretar o meu papel porque precisam de alguém não só lindo mas também sábio. Foi tudo isto que me passou pela cabeça enquanto o tipo levava vassouradas na nuca. De repente, ele levanta a cabeça do chão e começa a discutir connosco como se tivéssemos interrompido um sono extremamente reparador.
Nem com o euro a valer mais que o dólar, não há uma refeição que custe menos que um menu degustação num estrela Michelin. Aquela imagem cinematográfica da protagonista a caminhar por uma avenida de bagel numa mão e de café noutra, seria coisa para levar praticamente metade do orçamento de um filme nacional. É por isso que Chinatown é acima de tudo um oásis onde nos podemos abastecer à vontade de comida fresca e cheia de sabor, a um preço justo. Mas tudo serve para fazer dinheiro. Todos os cafés e restaurantes vendem não só comidas e bebidas mas também merchandising. E a caminho do aeroporto juro que vi várias placas com “Adopt a highway” (adopte uma autoestrada) e alguns troços já são patrocinados por empresas de consultoria ou marcas de telecomunicações. Quão espetacular deve ser a realidade dos abrigos de animais quando nos Estados Unidos já se adoptam vias rápidas.
Nova Iorque não são só referências que se mantêm e que nos habituámos a ver nos filmes. Se nos concentrarmos bem – e com o cheiro a erva constante pode ser difícil – conseguimos ver restinhos de um velho mundo que parece emocionante: o fumo dos cigarros que se fumavam nos diners, pessoas a gritar por um táxi, telemóveis grandes em que se puxava a antena, casais vestidos com casacos de peles e chapéus elegantes a sair da Broadway. É dos sítios que faz sentir que há espaço para toda a gente, especialmente os que sentem que não pertencem a lado nenhum. O clima político e social já viu melhores dias, mas, no final do dia, se uma senhora com um boné a dizer “make America great again” vê alguém com atacadores de fora, vai dizer para atar os sapatos para não cair.
Como é plana e tão fácil de perceber graças aos números das ruas que dás por ti a fazer 17 quilómetros por dia a pé. Caminhei tanto em Nova Iorque que a aplicação de contagem de passos achou que o meu telemóvel tinha sido roubado. No final do dia, os pés doem e o pescoço já range de tanto olhar para aqueles arranha-céus que parece que furam a troposfera. Como é que há quem duvide que os americanos foram à Lua se, tranquilamente, poderiam ter construído um edifício que fosse lá ter? Há quem esnobe os turistas que adoram Times Square, mas eu não quero saber. Adoro as luzes à noite e para ver penumbra já me basta Lisboa. Nova Iorque tem tanta personalidade que parece o namorado da tua amiga de quem gostavas que ela se separasse. “Sabes como é Nova Iorque. É dura, não te trata propriamente bem, mas não consegues sair sem pensar em voltar”.
Há restaurantes de todas as gastronomias do Mundo. Há livrarias dos temas mais específicos. Há peças e musicais com uma qualidade que não imaginávamos possíveis. Há tantas coisas para ver e comer que nos faz querer viver três vidas para experimentarmos metade. Regresso a casa sempre inspirada e também muito grata por viver num país com bom pão, que sabe temperar frango e com Serviço Nacional de Saúde. Tenho reais intenções de começar a andar imenso a pé, ir mais ao teatro, ler todos os livros que tenho e fazer piqueniques no Monsanto... mas quem é que eu quero enganar?