Num país normal, as previsões da Comissão Europeia, dadas a conhecer a semana passada, teriam originado um debate nacional. O momento até era propício, estando em curso a discussão do programa do Governo. Não assim em Portugal em que, cegos, continuamos a não querer ver. Exagero? Conjugue-se a evolução prevista para défice e dívida públicos com a necessidade de, a prazo curto, termos as contas dentro dos limites previstos pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, e chegamos a uma equação irresolúvel no actual quadro político-institucional. Ou melhor, com uma solução que ninguém quer ver. Analisando as nossas qualificações, devíamos ter o nível de vida da Turquia ou, quando muito, do México. Com as actuais políticas e as propostas e postura política da Oposição, esse é o caminho que trilhamos. A última década é o nosso futuro. Pelos vistos há quem tenha gostado!
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Obviamente que há a crise. É verdade que causou o encerramento de centenas de empresas e o despedimento de milhares de trabalhadores. Prolongar a duração do subsídio de desemprego ou torná-lo acessível aos mais jovens, com menos experiência de trabalho, parecem boas ideias. Na verdade, são políticas conformistas que perpetuam a situação, remetendo a resolução do problema do desemprego para uma putativa retoma económica que, de tão anémica que se antevê, ainda se arrisca a criar mais desemprego. Nomeadamente se os sindicatos e a esquerda parlamentar persistirem em pedir aumentos de salários irrealistas. A economia aberta não se compadece com boas intenções. No curto prazo, a generalidade das PME portuguesas só pode recuperar competitividade pelo lado dos custos. Se os salários subirem, substituem-se trabalhadores por máquinas e alimenta-se o desemprego.
Se este é o principal problema, justifica-se que se lhe dê prioridade, que nos mobilizemos, que pensemos em soluções, mesmo que voluntaristas. O que é que os leitores sugeriram (para os que não me lêem regularmente, desafiei os leitores a enviarem sugestões para albertocastro.jn@gmail.com tendo, sobretudo, os desempregados menos qualificados em mente)? Todos estão de acordo que os apoios devem privilegiar o trabalho. Duas das ideias concretas apresentadas remetem para o sector primário, associado a uma preocupação de sustentabilidade e, também por isso, mais criadora de valor. Uma delas integra os projectos da recém-criada Bolsa de Valores Sociais, ela própria uma magnífica iniciativa, ao permitir pôr em contacto "investidores" sociais e promotores de projectos com carácter social (quem tiver 10 euros pode ser um "accionista": para saber mais vá a www.bvs.org.pt). A referida ideia traduz-se em reorganizar o processo de produção de mel, tornando-o mais eficiente, sustentável e acrescentando-lhe valor. Promovida pela cooperativa Terra Chã, nada impede a sua aplicação noutras regiões em que possa haver apicultura. A segunda ideia tem alguma afinidade com esta e vai beber à experiência de uma cidade americana fortemente afectada pelo desemprego. A comunidade procurou transformar a crise numa oportunidade, posicionando-se numa lógica de desenvolvimento sustentável, com o aproveitamento de instalações abandonadas, a reutilização de materiais e o investimento nas energias renováveis e na agricultura biológica, de maior valor, mas recorrendo às competências tradicionais.
Volto ao tema para a semana, com mais propostas.