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Fumo branco no Vaticano. Descanse o leitor, não vou perorar sobre o novíssimo Papa. Não vou destacar curiosidades, porque todos as conhecem. Não vou antecipar nada, porque não tenho competência para tal. Apenas digo, humildemente: seja bem-vindo, Papa Francisco, encha-nos por favor de esperança, porque dela andamos terrivelmente precisados.
"Fumos negros" em Portugal. Por terras lusitanas, tem sido fumo negro atrás de fumo negro. A troika andou por aí e disse que estamos "no bom caminho". Bom caminho? Só se for contra uma parede. Porque, ao mesmo tempo, os resultados e previsões ontem anunciados pelo ministro das Finanças roçam o patético e só não vão para lá dele porque já estão para lá do trágico.
O desemprego? Estratosférico. A recessão? Pornográfica. O défice, depois de todos os cortes? Por decência, nem o refiro. E a ladainha da ausência de alternativa - sintoma de uma falta assustadora de envergadura política - cada vez mais se assemelha a uma pergunta em que todas as opções são suicidas. "Meu caro amigo, quer morrer enforcado, afogado ou eletrocutado? Escolha, tem o direito de escolher."
A crise que nos vai destruindo tem raízes nacionais; mas tem ainda, e muito mais, origem sistémica, internacional e europeia. Ora, esta embriaguez ideológico-austeritária (que, como a peste, tomou conta do continente europeu) só começará a ceder quando for ostensivo o seu fracasso e começar a ter custos, mas custos a sério, para os respetivos ideólogos. Como está finalmente a perceber-se.
Hoje, Portugal só conta ligeiramente acima de zero porque, tendo sido apresentado (e tendo-se apresentado) como o mais dócil ratinho de laboratório, não se pode deixar o pobre do bicho ir desta para melhor. Porque seria a prova provada de que a estratégia assumida no plano europeu e devotamente seguida pelo Governo era (como é) um absurdo, com muito mais do que alguns danos colaterais.
Por outras paragens, outros sofreram o impacto da crise iniciada em 2008, lamberam as feridas e recomeçaram o seu caminho. Nós, portugueses, e nós, europeus, decidimos fazer "melhor". Lá onde tínhamos uma chaga, abrimo-la mais, ao invés de a tentarmos cauterizar. Onde outros evitaram medidas extremistas, nós aceitámo-las ou até nos dispusemos a mais. Ao ratinho de laboratório frágil e doente, administrou-se remédio para cavalos. Como não podia deixar de ser, está a morrer da cura.
No entanto, este é um daqueles casos em que o mal dos outros pode ser o nosso bem. Não resulta connosco, e não resulta com ninguém. Se deixámos de comprar; se os gregos já foram ao fundo; se os espanhóis estão a ir; se agora são os cipriotas; e depois os italianos; e depois os franceses... é demasiada gente a ir ao fundo. E, aí, aqueles que nos têm "educado" e impuseram uma purga cruel começam a sentir na pele o remédio que estamos a tomar. Não gostam, como era de antever.
É também por isso que os três senhores da troika (eles não: quem neles manda) estão mais dialogantes e compreensivos. Parecem outros. Esta mudança não tem a ver com os nossos lindos olhos; mas sim com o facto de o ratinho português estar nas últimas e poder de repente explodir, salpicando tudo e todos.
"Fumo branco" no Porto. Rui Moreira vai anunciar nos próximos dias a sua candidatura à Câmara Municipal do Porto. Registo de interesses: porque não gosto de fingir equidistância lá onde não a tenho, esclareço que apoio essa candidatura. Nessa perspetiva, evidentemente, considero a decisão excelente para a minha cidade. Mas é-o também por outra razão fundamental. O desprestígio dos partidos tradicionais tem levado a várias reações antissistémicas, da repugnante Aurora Dourada neonazi na Grécia à tragicomédia de Beppe Grillo em Itália. Neste caso das autárquicas no Porto, a candidatura que agora arranca não será partidária, mas não será antipartidária ou antissistémica, nem nasce como antítese aos partidos. A candidatura será independente, de projeto, feita por cidadãos, para os cidadãos. Surge para construir e reforçar, não para atacar os alicerces da nossa casa comum. Ainda bem.