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Acaba hoje a Primavera. E esta foi a pior Primavera da minha vida. Desde logo, o tempo. O mês de Maio, o mês das cerejas, se teve dois ou três dias luminosos, sucedeu por acaso. Vinha já de trás. Em Março começou verdadeiramente o Inverno. Depois, e agora entro por uma única e última vez no plano estritamente pessoal, a minha Mãe esteve internada duas vezes, num curto intervalo entre ambos os episódios, num equipamento hospitalar do SNS da área a que pertence a residência geriátrica. Da primeira, acompanhei-a um bom bocado no serviço de urgências até passar para as observações. Era de noite, de madrugada, e as coisas pareciam correr com um módico de normalidade. O hospital informava pelo telefone da "evolução" - coisas respiratórias e, no fim, uma bactéria detectada no nariz - e a alta foi rápida. Da segunda vez, há cerca de um mês, o mesmo percurso com alguns dias de internamento. O que me permitiu visitá-la nos dias adequados, e dar-lhe água, muita água, pois esse era o problema fundamental: a desidratação. Lembrei-me que o coração também se desidrata. Há uns anos, ela tinha feito um exame ao dito e recordo que, quando a fui buscar - ela foi sempre de uma autonomia fantástica -, a médica lhe teria dito que o coração só estava um bocadinho seco. Precisava de água, e tomara muita gente mais nova ter um assim. Só que desta vez diagnosticaram uma pneumonia. E, na minha inútil opinião, teve alta para a residência cedo de mais. Via-a somente "bem" nessa tarde, na residência, na situação de acamada que nunca mais deixou por aproximadamente três semanas. Durante estes três anos, a minha Mãe constituiu o pivot dos meus dias, das minhas horas e das minhas noites. As poucas vezes que não pude lá ir, telefonávamo-nos várias vezes ao dia, até por "whatsup". Ia vê-la e levava o trabalho atrás. Fiz de um restaurante lá perto um segundo "escritório". Vi-a viva pela última vez faz hoje oito dias. Ela exprimia-se mal, mas os olhinhos estavam muito vivos e as mãos, que apertei muitas vezes, mais agitadas que o costume. Morreu-me nessa madrugada. Celibatário como Proust, não hesito a recorrer a ele que, em carta a um amigo, falou numa ternura que apenas os pais podem dar. "Depois disso, quando já os não temos, nunca mais a conhecemos, seja de quem for". O deputado do PS Sérgio Sousa Pinto afirmou, e bem, que a dra. Temido perdeu a confiança do país que ela, aliás, "acompanhava" nas férias de Junho. O verdadeiro ministro da Saúde respondeu, com a insolência habitual, que "era só o que faltava era andar a seguir as opiniões do Sérgio Sousa Pinto". Sucede que as opiniões do deputado são geralmente coincidentes com as do país. A de Costa e da sua ajudante, não. São pura e simplesmente estúpidas, arrogantes e funestas. Como esta Primavera de 2022.
o autor escreve segundo a antiga ortografia
Jurista