As contas são insuspeitas, porque feitas pelo próprio Governo brasileiro: a realização do Campeonato do Mundo de Futebol cujo começo está marcado para hoje implicou obras no valor de 9700 milhões de euros. Muito ou pouco? As opiniões dividem-se, naturalmente.De um lado estão os defensores de novas bolsas de modernidade sob a matriz FIFA, isto é, de excelência insuspeita. Sendo a FIFA uma organização marcada pela luxúria fácil, ou não tivesse a indústria do futebol subjugada aos seus ditames, a adoção da sua sigla a toda e qualquer obra é sinónimo de qualidade. Rodovias, aeroportos, hotéis, estádios, enfim, todo o cardápio de exigências do caderno de encargos ganhador da candidatura tem uma chancela entre o muito bom e o ótimo. Ora, se assim é, por que carga de água se coloca em xeque uma iniciativa de tamanha envergadura?
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A resposta contestatária não pode ser negligenciável. A indignação tem por base a inexistência de escolas FIFA, hospitais FIFA e por aí fora, num país marcado ainda por grandes franjas de população pobre, incapaz de ir para o emprego em meios de transportes públicos aceitáveis. Mesmo descontando a capacidade de mobilização política, a insatisfação do povo das favelas não deve ser subvalorizada como se decorresse de uma mera birra. Os laivos de revolta, aliás, são tanto mais significativos quanto o povo brasileiro é insuspeito na sua paixão imensa pelo futebol. E não deixa de ser curioso como o debate e a expectativa em torno do Mundial de futebol não se faz apenas pelo perfume e genialidade de Cristiano Ronaldo ou Neymar, Messi ou Balotelli, mas também em torno da parafernália de meios de segurança para evitar o alastrar de violência.
Hoje, infelizmente, tal como se debate o favoritismo de cada uma das 32 seleções, também se fabricam expectativas em torno da capacidade do chamado "Maracanazo" produzir convulsões sociais graves durante o Mundial.
As posições extremadas são corolário da inexistência de uma calibragem de interesses. Por regra, as megalomanias assemelham-se a doenças de muito difícil tratamento.
O Mundial do Brasil poderá sempre ser visto, no plano económico-financeiro, como algo longínquo dos interesses portugueses. Não deixa ainda assim de merecer reflexão sobre os métodos de governação, até à escala global.
Não por acaso, ainda hoje as sequelas do Euro 2004 dividem profundamente a sociedade portuguesa. A um primeiro momento de euforia entrecortado por pouquíssimas vozes críticas seguiu-se a depressão generalizada e alguns elefantes brancos como pesada herança. A cabeça quente dos brasileiros no dia de abertura do Mundial é propícia para a pergunta crucial: como estaria Portugal hoje se não se tivesse abalançado ao Euro 2004?