Porto ou Benfica? Braga ou Guimarães? Benfica ou Sporting? Estado ou privados? Viciados nas rivalidades clubísticas, aplicamos essa lógica a quase tudo, incapazes de ver para além do preto e branco. A comunicação social tem "responsabilidades no cartório". O tratamento dado a um estudo sobre o aproveitamento dos alunos da Universidade do Porto (UP), realizado pelos respectivos serviços de melhoria contínua, é disso um bom (na verdade, mau) exemplo. Repare-se no título do "Público": "Escolas públicas preparam melhor os alunos para terem sucesso no superior". A que acresce um longo subtítulo que termina assim: "(...) e conclui que os provenientes das privadas têm piores resultados". Também o JN, no dia seguinte, deu cobertura ao tema avançando com um subtítulo semelhante, conquanto puxando para as letras gordas o desempenho dos alunos provenientes da Garcia de Orta (Melhores da UP). Aqui chegados perguntarão: é ou não isso que resulta do estudo? É, se ignorarmos umas quantas tecnicidades (o que aconteceria às conclusões se retirassem o efeito de uma escola privada que parece ter-se especializado em colocar alunos em Medicina ou se o limiar fosse outro? Ou, como compara a actual distribuição com a das notas de entrada?). Porém, para quem se preocupa com as questões ligadas ao aproveitamento escolar, há no estudo outros temas, bem mais importantes, como as razões para o forte abandono logo no 1.0º ano (estamos a falar de alunos que se inscreveram em 2008/9, ou seja, antes de a crise se ter começado a sentir), ou para o insucesso escolar ou, ainda, para a relação entre desempenho e apoio social escolar. Tudo aspectos abordados no documento e que apenas para o JN justificaram destaque. No caso do "Público", a preocupação em dar uma agenda ao documento é tanta que se lhe atribui um propósito (ser "um alerta contra o facilitismo na utilização dos rankings e que procura rebater a ideia da falência do ensino público") e se fazem citações (o melhor desempenho das escolas públicas é ainda "mais relevante pelo facto de as escolas privadas de maior prestígio fazerem uma selecção social dos seus estudantes") que, na última versão disponível, não podiam ser encontradas em lugar nenhum... Seria difícil que não fosse assim, tratando-se de um documento que, mesmo não sendo académico, sempre vem associado aos serviços de uma universidade, o que lhe impõe um rigor incompatível com a expressão de meras opiniões não sustentadas.
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Interessante é que o estudo agora citado data do início de 2012 e já tinha sido objecto de cobertura mediática, incluindo no "Público", no 1.0º semestre do ano passado. Porquê este súbito renascer de interesse e esta preocupação em contrapor público e privado? Melhorar o sistema de acesso ao ensino superior? Ou talvez, e agora sou eu a especular, o motivo próximo seja a discussão das funções do Estado e, em particular, a sugestão do FMI da concessão a privados de algumas escolas do ensino básico e secundário, sendo esta uma maneira de, indirectamente, questionar a medida e tirar da falência (quem a declarou?) o ensino público. Se era essa a intenção, este não é o estudo certo.
O trabalho do FMI foi, muito justamente, criticado por, em várias matérias, usar dados desactualizados ou desadequados e tirar conclusões pouco fundamentadas. O estudo da UP ajuda a compreender melhor o percurso dos estudantes admitidos naquela universidade no ano lectivo 2008/9. Não mais do que isso. Para além das questões que atrás suscitei, os próprios autores reconhecem que os resultados do modelo não permitem previsões sólidas. E serão válidos para as outras universidades? Manter-se-ão as conclusões nos anos subsequentes?
Não tenho ilusões de que, em matérias relacionadas com as funções do Estado, a ideologia tenderá a "futebolizar" a discussão. Estudos rigorosos e bem fundamentados podem, ainda assim, contribuir para que, pelo menos, se evitem erros de argumentação grosseiros. Dentro dos seus propósitos, o trabalho da UP é útil. Tem limitações. Fazer de conta que não existem leva a extrapolações abusivas e mistifica, mais uma vez, o debate.
O autor escreve segundo a antiga ortografia