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Números a falar, Portugal acompanha a tendência europeia e exibe o seu melhor desempenho económico da última década. Soam, porém, cada vez mais fortes, as advertências de que a recuperação não está a sarar todas as feridas abertas pela crise. O Eurostat, gabinete de estatísticas da UE, revela que desde 2012 foram criados cinco milhões e meio de empregos no espaço comunitário, mas quatro em cada cinco destes empregos são temporários, ou em part-time. São, sobretudo, mal pagos. E Portugal não sai melhor na fotografia, mesmo que nela sobressaia agora o sorriso de Mário Centeno, ele que dentro de uma semana passa a acumular as funções de ministro português das Finanças com a presidência do Eurogrupo.
No mesmo dia em que o nosso "Ronaldo das Finanças" dizia aos revisores oficiais de contas que Portugal ganhou "uma projeção europeia e internacional sem precedentes", um observatório da Universidade de Coimbra, coordenado por Carvalho da Silva, veio revelar a alarmante subida da precariedade do trabalho. Sim, fomos capazes de criar 242 mil novos postos de trabalho nos últimos dois anos, fazendo baixar para 8,5% a taxa de desemprego, que chegou a ser de 16,2% em 2013. Mas apenas um em cada cinco novos contratos de trabalho é permanente. E a mesma proporção aplica-se aos contratos de muito curta duração: um em cada cinco dos novos contratos tem um prazo inferior a 60 dias... Apesar do aumento do salário mínimo, o salário médio baixou. E dois terços dos contratos assinados desde novembro de 2013 já não existem.
O palavrão em voga é precariedade, sinónimo de incerteza, debilidade, insegurança. E precária é a condição daquilo que é frágil, incerto, que tem pouca estabilidade ou duração. Eis, no mercado de trabalho, o que reservamos para os nossos filhos, e que mais penaliza jovens e mulheres, apartando drasticamente as novas gerações à procura de uma posição social mas sem oportunidades de independência. A prazo, esta marginalização, em particular a dos jovens, tem efeitos letais em variáveis tão decisivas como a natalidade ou o financiamento das pensões. A dignidade do trabalho e a estabilidade no emprego são condições básicas para aumentar o capital humano, melhorar a produtividade e aumentar o valor agregado global da economia. Esse é, aliás, um dos princípios fundadores da União Europeia, que só terá futuro se houver coesão social, com menos pobreza e desigualdades. Enquanto tal, bem pode o nosso Centeno exaltar a lusitana "projeção, sem precedentes". É que, como dizia um ilustre presidente da Câmara do Porto, "fidalguia sem comedoria é gaita que não assobia".
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