Corpo do artigo
Quem manda no Porto são as gaivotas. Fazem a gestão do lixo da cidade, alimentando-se dele, espalhando-o pelos passeios, pilhando caixotes abertos. Pegam-se com pombos e gatos, praguejando alto e comportando-se como os rufias do bairro. São elas quem acorda o trabalhador, grasnando ao raiar do dia nas varandas e beirais. Comportam-se como aves de rapina roubando os petiscos que os transeuntes desavisados carregam em guardanapos. É vê-las na esquina da Rua da Firmeza com Santa Catarina, rasando ombros para roubar lanches mistos da Belo Mundo.
São donas dos telhados e ameaçam quem se atrever a arranjar as telhas, sobretudo quando têm crias, além de fazerem jam sessions infernais batendo com o bico nas chaminés metálicas. Fazem chover excrementos, desrespeitando até as estátuas das mais respeitáveis e célebres entidades da nossa história, munidas de um espírito democrático que não olha à cilindrada, conspurcando orgulhosamente o carro mais popular como também o mais luxuoso. E só mesmo na noite de São João, quando ficam em polvorosa com tantos balões a invadir-lhes o espaço aéreo, é que os portuenses se vingam, ensaiando inutilmente a recuperação da sua soberania.
Há anos que digo que deveríamos fazer um filme de animação passado na cidade, com as gaivotas como protagonistas, tipo o "Ratatouille" (que veio elevar a mascote adorável, um exemplar da praga de ratos de Paris). Na lógica da atual governança autárquica, serviria para romantizar, capitalizar e tornar em instrumento de marketing urbano a omnipresença da espécie na cidade. Fazendo destas aves devoradoras de lixo e ladras de lanches alheios um ícone do Porto, com um imenso potencial de comercialização em forma de souvenir (ímanes de frigorífico, peluches, t-shirts, o que a imaginação permitir)! Daria até para fazer correspondências entre a personalidade das gaivotas, em modo de personagens de filme de animação, com as idiossincrasias dos portuenses. Afinal, nós também falamos alto, somos rabugentos q.b. e algo desconfiados, mantemos sempre o nosso porte altivo e temos tendência para sermos bons garfos. Elas, que nos olham sempre de cima, sabem imitar o nosso jeitinho.
Pois bem, para reforçar a minha tese, verifica-se que, na ainda mal começada campanha das autárquicas, já há significativas correspondências entre os hábitos das gaivotas e os comportamentos de alguns candidatos. Em junho, houve bulha num festival, entre um deles e o (agora ex) assessor de comunicação de outro. Há poucas semanas, o candidato da Nova Direita fez chover nos Aliados e promete voltar a fazê-lo noutras ocasiões (ainda que sejam notas de cinco euros). E na disputa dos apoios do incumbente, anda meio mundo a tentar ficar com os restos de Rui Moreira. Vamos ver quem consegue fazer ninho na torre da CMP.