Corpo do artigo
Por fim, António Costa abdicou de Lisboa para "servir Portugal e os portugueses". A tempo inteiro. Nem de propósito, esta segunda-feira de Páscoa vê-se transformada no arranque da campanha para as legislativas. É tempo dos candidatos elevarem o debate e endereçarem aquilo que interessa aos portugueses, com pouco circo e mais substância.
Neste exercício de esclarecimento do eleitorado, o atual primeiro-ministro leva vantagem. Em quatro anos de governação protagonizou um ajustamento forçado das finanças da república quase exclusivamente à custa de um musculado aumento de impostos, que complementou com a subtração de boa parte dos salários dos funcionários públicos, dos rendimentos dos pensionistas e das prestações sociais aos mais desfavorecidos. Ao nível das reformas, concentrou-se apenas no reforço do centralismo.
De António Costa já se percebeu que, ao contrário do seu rival social-democrata, não é homem para construir uma maioria fundada em promessas irreais. É cauteloso porque sabe que, na ausência de reformas estruturais sérias, a situação financeira do país é ainda muito frágil. Os compromissos associados ao Pacto Orçamental não dão grande margem de manobra no desenho de uma alternativa, pelo que será pela via do crescimento que Costa poderá prometer um alívio da austeridade. Para isso, o plano Juncker, a folga dos juros da dívida pública e a baixa do preço do petróleo são certamente parte da solução.
Acredito, contudo, que para ganhar convincentemente as próximas legislativas o líder socialista terá de arriscar mais. Assumir o estatuto de "game changer", justamente aquele que traz uma ideia forte capaz de mudar as regras do jogo e alterar o curso dos acontecimentos. Essa grande ideia, concretizada por uma visão de futuro e uma estratégia a oito anos, convoca para dois requisitos: primeiro, tem de apontar bem no fundo do problema central deste país, que é a sua endémica incapacidade de gerar crescimento de forma sustentada; depois, deve ser algo que o atual primeiro-ministro não possa acompanhar, por estar nos antípodas das suas convicções. Pois, para mim, a visão é clara. Portugal só será sustentável quando todos e cada um dos seus recursos forem igualmente valorizados e rentabilizados. Quem contacta com as pessoas, as empresas e as instituições por esse país percebe que o objetivo da descentralização, a que chamo regionalização inteligente, tem um incomensurável potencial de mobilização que aguarda apenas a chegada de um político suficientemente corajoso. O tal "game changer".