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O Governo legítimo de Portugal tomou posse. Como é suposto em democracia, é primeiro-ministro o presidente do partido mais votado. Exercerá funções por dias ou semanas, diz-se. A tentativa de usurpação está em curso, corrompendo 40 anos de regras consolidadas e pacificamente aceites. Para o PS então - este PS colonizado pela extrema-esquerda - a responsabilidade por tudo quanto se lhe siga, das finanças públicas ao desagrado nas ruas. Também a vergonha pela ganância feita poder, pressupondo-se que exista.
A António Costa não importa a história, o papel do PS, doutrinas, programas, o dito pelo não dito, promessas feitas ou programas eleitorais. Só interessa chegar lá. E ter pelo caminho alguns jovens, supostos turcos, sem memória, a jurarem que o PS enquanto partido está mais próximo do BE e do PCP do que do PSD e CDS até dá jeito.
Doutrinando na "Quadratura do Círculo", o secretário-geral do PS insultava há pouco dizendo que "o Bloco não existe em sítio nenhum. É um partido inexistente (...). É patética a forma como se cola às manifestações da CGTP (...).O Bloco o que é que se revela? Nada. Nada. É uma inutilidade total (...). Uma moção de censura num país normal apresentada por um Bloco de Esquerda não é nada".
Bastou a perspetiva do poder, mesmo que por assalto, para ter agora no BE o contrário disto, como se tudo fosse dito a brincar e na política, as palavras e a memória não tivessem qualquer sentido.
Comunistas e bloquistas por seu lado, odiando-se com simpatia, aproveitam a franquia que o PS em saldo lhes abriu, para responder à letra. O PS garantira que "qualquer solução governativa em que participe será sempre uma solução que respeitará todos os valores e compromissos europeus" do partido. O PCP e o BE apresentaram no Parlamento Europeu uma proposta para rejeição do Tratado de Estabilidade Orçamental, da governação económica e do euro. E o PS coisa nenhuma. Nem rebuço, nem reparo. É que neste imenso faz-de-conta, princípios e compromissos não servem para melhor.
António Costa chegará a primeiro-ministro, talvez. Mas ganhará na ganância, o que perderá no respeito do país que prejudica e compromete a cada dia que passa e no respeito daqueles - muitos - que leva consigo na ilusão de um apoio genuíno. Um líder também se mede pela dignidade com que encara as derrotas, por muito que o poder agregue e a política saiba ser cínica. Perceberá que a expectativa de repartição de despojos é quase sempre um cimento efémero. À primeira escorregadela - e escorregará - contará poucos do lado a amparar-lhe a queda. E para a história sairá pela porta mais pequena.