Os gregos devem andar surpreendidos. Ninguém lhes ligou pevide até agora, desde há anos levam pancada, foram enxovalhados como vigaristas, despesistas, irresponsáveis, desonestos, incumpridores e pouco fiáveis. Literalmente, gente fraca e a evitar. E, de repente, como o raio de sol que consegue trespassar a nuvem negra, é tudo simpatia para cima deles. Com algumas exceções, mas é compreensível: às crianças também é preciso ralhar e punir q.b. (como o sal na cozinha).
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Que terá acontecido? Nada de especial, a Grécia vai a votos este domingo (irrelevante e maçador). No entanto, e aqui o caso muda de figura, a Grécia vai a votos e há um partido nada recomendável, daqueles maus e perigosos, que pode ganhar. Pior ainda para todas as boas e respeitáveis famílias europeias, o pretendente pode conquistar a noiva prometendo-lhe mudar de vida e romper com tios e tias (em sentido literal e em sentido figurado).
Ora, aí, temos um problema. Ou não, consoante a perspetiva.
O pretendente mais forte é afinal o Syriza, qualificado como partido radical de extrema-esquerda. Tanto quanto as sondagens podem antecipar, será ele o vencedor das eleições legislativas antecipadas de amanhã, ficando por apurar se será por maior ou por menor vantagem.
Bruxelas, Berlim e outros detestam esta possibilidade, e detestam por várias razões, todas de uma lógica blindada. Em primeiro lugar, porque tudo o que seja renegociar o que negociado está altera o estado normal e o fluir regular das coisas, venha ou não aquele que reclama a renegociação (da dívida, como é claro) a conseguir os seus propósitos. Detestam, em segundo lugar, porque vêm uma sua criação involuntária a afrontar aquilo que consideram civilizado, necessário e até obrigatório.
A ideologia da austeridade, porque disso se trata, anda com mais furos do que uma meia de nylon velha, e o Syriza grego é um dos seus filhos bastardos mais rebeldes e ameaçadores. É "radical", é de "extrema-esquerda". Em síntese, é um horror. Pior, só se tivesse corninhos e cheirasse a enxofre, nesta Europa que anda com sentido de humor zero ou abaixo de zero e sem rasgo que lhe permita deixar a depressão em que se enredou. Pobre Winston Churchill, morto faz agora 50 anos, passasse por cá em 2015 e ia-se embora tão depressa quanto tinha vindo......
O Syriza está a funcionar, muito para lá dos muros da Grécia, como o fator irritante neste mar estagnado, sensaborão e sobrecarregado de Ph neutro. Aqueles que se congratulam com a sua possível vitória, imagine-se, vão do PS português à Frente Nacional francesa (sim, essa!), passando por aqueles que mais abominam essa possibilidade - nos quais se inclui, evidentemente, a Frente Nacional.
Alguns dizem que, se o Syriza vencer, até pode ser um bem (lá no fundo, pensam: "cruzes, canhoto, abrenúncio!"). É a teoria recauchutada do quanto pior melhor, demonstrada com cenários: se ganhar e fizer o que diz, é irresponsável, estoura de vez com a Grécia e esta vai para o Inferno. Se ganhar e não fizer o que promete, é irresponsável e é como Hollande. E todos perceberão, de uma vez por todas, que o caminho é monolítico e não há radicalismo e extremismo que nos valha. Aí, vamos ser todos iguaizinhos, bonzinhos e felizinhos.
Só que esta "teoria", parecendo sofisticada, é mais do género 1X2 (para quem ainda se lembra).
Realmente, seja qual for o resultado, ganha sempre o teorizador. Ora vejam: perde o Syriza? Ótimo, os gregos tiveram um assomo de bom senso contra o radicalismo. Ganha o Syriza? Até vai ser bom, cumpra ou não cumpra é igual, porque o radicalismo irresponsável será desmascarado de vez. Assim também eu.
As eleições gregas podem até ser mais importantes para o destino comum europeu do que algumas das nossas eleições internas. O Syriza não me entusiasma nada de nada. Mas, não sendo grego, gostava de mandar daqui do Porto um grande abraço a todos os gregos.
Afinal, não é todos os dias que um povo decide o que muito bem lhe dá na veneta, seguindo o princípio do palhaço Tiririca: pior que está, não fica. Ou, numa versão "helénica" meio atamancada: ganha o Syriza? Mais não desliza.