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Dizia meu pai que desde que vira um boi a trepar por um pinheiro não se admirava de nada. Mas fiquei surpreso com o preço atribuído às ruínas da casa onde nasceu Garrett. Três milhões e oitocentos mil por uma fachada, mais a do lado! Nem em Times Square, a praça mais cara do mundo (onde a empresa “O Valor do Tempo” se instalou com uma loja vendendo "Portuguese Sardines").
Não sei que maldição pesa sobre Garrett na cidade que ele amava (levou um século a erigir-lhe um monumento e dedicou-lhe uma praça chamada S. Bento). Foi um génio: romancista, ensaísta, poeta, dramaturgo. Criou o teatro nacional e teve acção política decisiva na génese do liberalismo e da Democracia. Num país atolado em feudalismo, inquisição, intolerância e analfabetismo escreveu o “Portugal na Balança da Europa” (deveria lê-lo muita classe política).
A partir de 1826, nele dizia: "A pobreza é o maior inimigo da liberdade". E defendia que para o povo defender a Constituição eram "urgentes a abolição dos tributos bárbaros, desproporcionados e injustos (…) a maior parte das portagens e muitos direitos de consumo que só afectam as classes trabalhadoras, e bebem o suor do pobre sem dizimar a substância do rico". Nem mais. E, há duzentos anos, lançava o alerta: «Sem liberdade de imprensa, no estado das nações modernas, no sistema representativo, não há liberdades de nenhuma espécie".
Com a perda da casa da Rua do Calvário, perdeu o Porto a oportunidade de nela criar um lugar de divulgação, consagração e celebração da vida e da obra de Garrett, o maior vulto portuense e, provavelmente, da cultura portuguesa.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia