Corpo do artigo
Há passos que dependem de cada um de nós: sermos melhores cidadãos, mais conscientes, mais participativos, mais exigentes e menos tolerantes com a classe política
Mais uns dias e saber-se-á o que o PSD fará com o Orçamento. Fará, como se sabe, o que inevitavelmente terá de fazer e que Passos Coelho só ainda não verbalizou porque foi atacado por um síndrome de importância estratégica que politicamente o reduziu -a ele e ao partido - a uma dimensão de irresponsabilidade que os seus primeiros passos não deixavam adivinhar. Adiante.
A semana que entra será ainda de grande tensão, em volta do Orçamento. Provavelmente todas as críticas que todos os partidos colocarem sobre a mesa terão razão de ser. O documento é duro e traduz, sem que o Governo o assuma, um estado de necessidade a que chegamos por incompetência, incúria, sucessão de mentiras e falta de coragem de sucessivos governantes para arrepiarmos um caminho que nos pôs - ao Estado e às famílias - a viver acima das possibilidades e que bateu no fundo na precisa altura em que uma crise internacional pôs tudo a nu. Vivemos hoje o resultado de uma crise internacional, é certo, mas também as consequências da má governação que fomos acumulando. Agora, o remédio cai-nos em cima com força, com a força de uma carga fiscal que não poupa os trabalhadores nem poupa as empresas. Os cidadãos olham o futuro com ansiedade e, quanto às empresas, tenha-se como certo que a palavra falência fará parte do nosso dia-a-dia em 2011. O Orçamento não dá aos portugueses muitas esperanças e na discussão parlamentar que aí vem, um dos pontos de interesse reside em saber se Sócrates conseguirá abrir alguma janela por onde possa entrar uma réstia de esperança. O discurso das Oposições é fácil de imaginar e por isso se diz que as críticas que forem feitas serão certeiras. O segundo ponto de interesse do debate será ouvir Sócrates: como irá ele justificar este Orçamento, que é o oposto do que andou a proclamar durante tanto tempo?
É bom que passe este debate. O país precisa de entrar numa nova fase, em que não viva diariamente sobressaltado com cortes e mais anúncios de mais cortes. O país precisa de diálogo. E precisa de apreender a viver de outra forma. Ontem, numa síntese feliz, em entrevista ao "Público", Artur Santos Silva apontava o caminho: gastar menos, poupar mais. O oposto do que temos feito. Mudar de vida. E isto aplica-se ao comum dos cidadãos e às empresas. Quanto aos políticos, Santos Silva diz o que crescentemente vem sendo dito cada vez por mais gente: também necessitam de mudar de vida. Terão de falar verdade e terão de dialogar uns com os outros.
Ditas assim as coisas com esta simplicidade a tarefa parece fácil. Não será. Possivelmente, os partidos persistirão nos mesmos erros e o mais provável é que a classe média, a mesma que agora paga a maior fatia da crise, se mostre mais e mais alheada da coisa pública e das estratégias de poder dos partidos. Se assim for não se augura nada de bom. Mas há passos que dependem de cada um de nós: sermos melhores cidadãos, mais conscientes, mais participativos e consequentemente mais exigentes e menos tolerantes com a classe política. Essa é também outra forma de mudar de vida. E, seguramente, a mais importante.