Às vezes dava mesmo jeito saber Latim. Por qualquer razão que não percebi nunca, deixou de ser ensinado nas escolas e eu já sou da geração a quem se vedou o conhecimento da nossa matriz linguística, amputando assim o conhecimento realmente cabal do que se diz. Portanto, a letra da canção de que faço título nunca me disse nada de especial. Trauteio-a há anos de cada vez que assisto a uma posse Reitoral ou a Doutoramento Honoris Causa em várias das nossas universidades.
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Ora, um destes dias, numa cerimónia de posse, com cortejo académico imponente e coro magnífico, resolvi ouvi melhor e, depois, procurar saber o que realmente se cantava.
Sabia, claro, que se tratava de composição antiga que funciona há séculos como Hino Académico, sobretudo na Europa. Mas dizia o quê?
Pois bem, Gaudeamus Igitur, segundo a Wikipedia, "(...) é um hino jocoso, alegre, que brinca com a vida universitária. A canção remonta a 1287 e já era conhecida ao tempo da fundação da alma mater de todas as universidades europeias, a Universidade de Bolonha. Situa-se dentro da tradição do carpe diem com suas exortações para aproveitar a vida".
De facto, segundo uma tradução que pude consultar, a letra basicamente diz que a vida é curta e o melhor é gozá-la : "Morra a tristeza! Morram os odientos! Morra o diabo, os que são contra os estudantes, e os que zombam de nós!". E acaba assim.
Já agora, que belo mote para celebrar este dia 25 de Abril!
Mas que pouco coerente com o discurso e o ambiente universitário que hoje vivemos.
A alegria e desprendimento sugerido pelo hino, terreno fértil para a leveza do saber, deram lugar ao mesquinho chiar da intendência.
Naquela cerimónia, como em todas, não se ouviu falar da responsabilidade da universidade enquanto instituição fundadora da nossa Europa contemporânea, não se sublinhou o seu lugar cimeiro no acolhimento dos grandes debates civilizacionais, não se debateu o papel do trivium ou do quadrivium e da rivalidade intrínseca a cada lado do saber, o dos bites e/ou o da reflexividade. Falou-se apenas de intendência.
As obras, os custos, as receitas próprias em que se não manda, os regulamentos, a captação de alunos com oferta de um carro se preciso for, as candidaturas e a contrapartida nacional, a Fundação e a Lei de Execução Orçamental, um rol de pequenas coisas que afogam os responsáveis e literalmente os transformam em guarda-livros, ironicamente!
Mas o pior é que o ministro da pasta foi pelo mesmo caminho. Quando se esperava uma intervenção de fundo, um discurso de Ratisbona, daqueles que só podem ser feitos na universidade, eis que o ministro fala de deficit, de PIB, de exportações, de dívida e de emissões de dívida, de cortes e da sua costura, de racionalização de custos, de captação de receitas (dos outros), sempre assuntos das colunas do Deve e Haver sem uma única concessão ou mesmo distração sobre as matérias do espírito, do carpe diem tão caro aos nossos pais fundadores.
Carpe Diem no sentido de colher o dia com o que isso tem de máximo aproveitamento e realização. Epicurista e não relaxadamente hedonista.
Não que as contas, os custos e os preços não sejam importantes. São. Mas ao seu nível. No máximo, numa reunião de departamento bem organizada. Agora infiltrarem-se assim no discurso nacional, a ponto de contaminarem a fonte do nosso saber organizado, isso é miopia ou subserviência a um dictat nacional e europeu, que tem forçosamente de ser combatido e tem forçosamente de manter algumas válvulas de escape.
Se não for assim, um dia destes os estudantes são apenas uma chatice e os professores umas máquinas dispensadoras milimetricamente calibradas para não desequilibrar a contabilidade.
Chega, senhores! Haja coragem e assuma-se de vez um horizonte que nos motive e um discurso que nos honre. Resguarde-se a Universidade para que ela possa fazer um novo 25 de Abril!