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A festa colectiva que transbordou para as ruas do país foi a fogo do dragão, voadora, um quê de mítica, bem maior do que um título. Mais do que um clube, o sentimento que se lia nos olhos das gentes era o da vitória a ferros, a dos justos. Não há justiça no futebol, garantem os resultadistas; é "algo maior que o poder", assegura Malraux; a justiça tarda em chegar, lamentam os pouco optimistas; não há justiça se ela não se fizer no tempo, garanto-vos. E o tempo deste título, largos dias têm 40 anos, foi um enorme tributo a José Maria Pedroto. Rendição.
Quatro décadas depois dos 19 anos que separaram o clube do título de campeão nacional até 1978, o F. C. Porto enfrentou até este domingo o maior jejum de títulos da era Pinto da Costa. Este sim, #rumo ao 37, elegeu um treinador que, como Pedroto, conseguiu implicar todos os adeptos na luta pelo fim do miniciclo de hegemonia do Benfica, pondo fim a 4 anos de mini-jejum. Outros tempos, obviamente. Mas vi agora, com olhar e rasgo, um pouco do mestre Pedroto que, pela mão do meu presidente, eu idolatrava em miúdo. Ganhar por e apesar de. Ganhar contra, se preciso for. Ambição e raça, crença, defesa intransigente de um sentimento que em muito ultrapassa o resultado. Para além de, ele: Sérgio Conceição, tem os cinco dedos estendidos numa mão bem aberta, um Penta-Ciao a plenos pulmões com marca de treinador. Para quem lhe agoirava a grandeza de um fósforo pronto a acender, Sérgio rasgou a profecia dos bruxos, pegou no rastilho sem bandeja e serviu a fogo.
A herança de um plantel curto e sem contratações, a camisa-de-forças financeira, a pressão de não ganhar há tempo demais, a proximidade de outros poderem recriar uma história única, a dimensão tentacular do poder estabelecido. A racionalidade de um sistema de jogo que se musculou na reacção demolidora à perda e nas transições, olhar esticado e esguio para a presença na área. Era esta a equipa dos "pretenders", a partir da "pole position" do último lugar do pódio. Conceição, cérebro de um ciência não oculta: à sua imagem, com humildade, construiu um balneário que percebeu que a sua hipótese de sucesso residia em jogar ao espelho com o treinador. Foi assim que Casillas acatou, Soares desatou, Marega explodiu, Herrera ascendeu, Brahimi olhou em volta, Alex Telles tocou a perfeição. Tantos outros, todos eles aliás, em complementaridade e querer colectivo.
O nome do romance maior de João de Melo que aqui cito, foi visto à solta e nas ruas. A felicidade saiu à rua num dia assim, outros dirão. A uma voz. Entre o abandono de quem estava proscrito, na obsessão da busca da felicidade e do retorno ao domínio do que é familiar, este foi um ano que combinou sucesso desportivo e gastronómico. Na conjugação de algo melhor que ainda está para vir, servido numa bandeja que Sérgio Conceição até rejeitou tantas vezes usar.
[O autor escreve segundo a antiga ortografia]
MÚSICO E JURISTA