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A vitória de Rui Moreira no Porto, em setembro de 2013, foi (e continua a ser) um dos acontecimentos políticos mais relevantes dos últimos anos. O facto de a população da segunda cidade do país ter escolhido um independente (que não um ex-presidente tornado independente, depois da zanga com o partido de origem, como era norma) foi visto como uma verdadeira pedrada no charco. Até então, um acontecimento raro que mereceu destaque além-fronteiras, incluindo as exclusivas páginas do "The New York Times", que não fazia a coisa por menos: tratava-se da vitória de um "outsider" que refletia o descontentamento de todo um continente. Uma prova de que "os eleitores agora rejeitam um sistema que permitiu aos "apparatchiks" controlar os partidos tradicionais, em Portugal e na Europa", argumentava o novo alcaide ao jornal norte-americano, um mês depois de vergar os "apparatchiks" do PSD e do PS. Parece premonitório, relido agora, quando testemunhamos as eleições francesas e a ameaça de implosão do sistema de partidos da V República.
Acontece que aquela era apenas uma versão da história. A outra, porventura menos glamorosa, diz-nos que a vitória de Rui Moreira, ainda que conseguida a partir de uma lista independente, não pode ser desligada de interesses partidários, sempre tentaculares. E não se trata apenas de recordar o apoio explícito do CDS-PP e a "colonização" das listas independentes por militantes ou simpatizantes desse partido. Trata-se sobretudo de lembrar que na génese da candidatura do ex-presidente da Associação Comercial do Porto esteve um grupo de militantes do PSD, em que se incluíam Rui Rio, Miguel Veiga, Valente de Oliveira ou Francisco Ramos, menos mediático, mas que conta no currículo a liderança da Concelhia social-democrata, a direção de campanha de Rui Rio em 2005 e que haveria de ser o mandatário financeiro da lista de Rui Moreira em 2013. Resumindo, sem o empenho da parte do "aparelho" do PSD que não aceitou a escolha de Luís Filipe Menezes, não teria havido uma candidatura independente.
Como também sabemos, o cruzamento entre os interesses de Rui Moreira e os interesses partidários não se ficou por aqui. Vencedor, mas sem maioria no Executivo, forjou uma aliança com o "aparelho" do PS/Porto, na pessoa de Manuel Pizarro. E, mesmo agora, que a corda se partiu - demasiado esticada por ambas as partes na sempre sanguinária disputa dos "jobs for the boys" -, Moreira dá mostras de um grande à-vontade no jogo político-partidário, admitindo que a "geografia eleitoral" - ou seja, a necessidade de garantir o poder municipal - o voltará a juntar ao "apparatchik" Pizarro. Fica pelo menos a dúvida se entre o aparelho partidário e o aparelho independente haverá assim tanta diferença.
* EDITOR-EXECUTIVO