<p>Quem tenha ouvido George Bush discursar perante a Assembleia Geral das Nações Unidas só pode ter ficado convencido de que o homem está mesmo mudado. A boa e velha ONU, que o presidente norte-americano tão afanosamente tentou enterrar quando determinou a invasão do Iraque é, afinal, considerada indispensável à resolução dos problemas mundiais.</p>
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Já se tinha percebido que, neste seu último mandato, Bush reajustara a intervenção dos Estados Unidos no plano externo, pondo de lado a estratégia do país "todo-poderoso", que nem da ajuda dos aliados precisa para consolidar a sua posição de super-potência. Nunca como agora, no entanto, fora tão longe, no apelo ao reforço do papel da ONU no Mundo.
É de saudar este "regresso", embora seja lícito supor que de genuíno tem pouco. Bush, tantas vezes movido por uma atitude quase messiânica - de que os Estados Unidos, acabada a Guerra Fria, têm a obrigação "moral" de conduzir os destinos do mundo - é impelido pelas circunstâncias para uma maior abertura.
Com uma crise financeira interna de consequências, para todo o planeta, ainda por avaliar em toda a sua dimensão, tem consciência de que só uma intervenção concertada (multilateral, portanto) pode evitar que o menino se vá com a água do banho. E, no imediato, evitar que se tornem mais audíveis as vozes críticas do capitalismo sem freio e de frágil regulação, que põem em causa o próprio modelo, tomado há meia-dúzia de anos como o fim da história.
Com a casa a arder, o presidente norte-americano deseja que também a ONU vista a farda de bombeiro - missão que, para muitos líderes mundiais, é a sua, já que lhe reservam as missões humanitárias, inevitáveis após conflitos bélicos que não desencadeia. As juras de amor de George Bush, podendo ser interpretadas como hipócritas ou até oportunistas, devem também ser encaradas como uma oportunidade, ainda que esteja prestes a entregar a chave da Casa Branca, para aprofundar a reforma da ONU, removendo a relutância de Washington.
Bush descobriu agora um princípio basilar da Carta da ONU, a igualdade entre os países-membros. Claro que o invoca para proteger a Geórgia da Rússia, mas esquece-se dele quando se fala no Irão. Pois é: os países são iguais, mas uns são mais iguais do que outros. Repensar a ONU passa sobretudo por aqui, por tornar efectiva a democraticidade no seio da organização. Nessa medida, envolve o debate sobre o alargamento do Conselho de Segurança - que Alemanha, Japão, Brasil e Índia propõem - mas também sobre o estatuto dos cinco "magníficos", o facto de serem inamovíveis e de bloquearem decisões graças ao direito de veto.