Não é nada difícil de entender porque é que a Organização Mundial de Saúde já elencou a adição aos jogos eletrónicos na lista dos distúrbios mentais.
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Qualquer adição propende para um descontrolo da razão, o que até pode implicar grandes e admiráveis paixões. O problema da adição aos jogos eletrónicos agrava, no entanto, quando tratamos de adolescentes e jovens que passam anos fundamentais para o robustecimento das suas capacidades cognitivas e faculdades sociais alienados por uma atividade que os atomiza num universo de ressonância robótica e puramente virtual.
São cada vez mais os casos de jovens (quase sempre rapazes) que conheço completamente esgotados na fantasia dos jogos virtuais. Irritáveis, profundamente apáticos aos estímulos da realidade mais evidente, perdurando numa fase lúdica perfeitamente infantil mesclada com a estranheza perversa de quem, ao mesmo tempo, passa o dia a matar soldados e invasores espaciais, abatendo naves e animais lendários que cospem fogo. Estas crianças tardias demoram na ignorância mas maturam a perceção da violência e, se julgarem saber alguma coisa, ponderam estratégias de ataque e de fuga, como se viver fosse uma expectativa clara de guerra e não exatamente uma oportunidade de paz.
Preocupa-me muito que as famílias, em troco de entreterem os seus filhos, como se lhes bastassem, como se os fizessem felizes disponibilizando exatamente o que mais querem, permitam uma dessensibilização ampla das suas personalidades, ao ponto de, afastados do jogo, se tornarem como radicalmente estrangeiros, cidadãos de lugar nenhum, desafiados na empatia, desafiados no reconhecimento das mais elementares regras da convivialidade e construção social. Preocupa-me muito que estes jovens não sejam rapidamente acudidos, convidados ao compromisso da realidade, com tanto que ela tem de difícil mas também de maravilha.
Quase sempre noto que os casos mais graves acontecem em famílias onde se lida com algum tipo de fratura ou trauma. A permissão para o jogo é vista como uma compensação por um sofrimento que se esconde ou pretende evitar. No entanto, o sofrimento que nos compete também nos engrandece. Se não sofrermos por determinadas coisas nunca lhes saberemos dar valor. Perder alguém, temer perder, batalhar por conquistar o mérito, é elementar para o nosso equilíbrio. A anestesia da alienação pode ser terapia temporária, se for tornada um modo de vida então passa a ser uma desumanização. Um convite a não ser como as pessoas são.
*ESCRITOR