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A solução política encontrada para esta legislatura ameaça tornar-se uma armadilha com sérios efeitos para o nosso regime democrático.
O PS não tem interesse em mudar porque consegue amarrar uma parte significativa da Oposição mais extremista a troco de benefícios muito calculados. O Bloco não tem interesse em mudar porque vale mais assim do que sozinho.
O CDS e o PSD não se dispõem a ver mais longe.
Como já aqui escrevi há umas semanas o tempo da troika já lá vai e a separação forçada do CDS em relação ao PSD deixa o CDS demasiado frágil para tentar ocupar o que quer que seja no plano da governação.
O PSD podia e devia tentar, pelo menos, quebrar o ciclo. Mas Rui Rio parece ter decidido adiar esse esforço em nome de várias coisas: arrumar a casa, fazer convergir o partido para a sua visão dos problemas, criar espaço para consensos de regime com o PS, entre outros.
Fica-nos o PCP. E, sim, talvez seja o PCP o que tem melhores condições para ser o "bombista" que nos acorde desta posição de "Bela adormecida" política em que parecemos ter caído.
A evolução natural para o PCP seria fazer parte do Governo com responsabilidade por uma pasta, ou pastas, em que pudesse fazer a sua política sem os constrangimentos de acordos balizados. Imaginado que estaria pronto para dar esse passo, dificilmente o PS de Centeno o aceitaria tal a má-disposição que causaria por Bruxelas.
Ora, a manter-se como está, e sabendo que as benesses que vai conseguindo não chegam para evitar a erosão da sua base sindical, o partido de Jerónimo de Sousa arrisca-se a tornar-se num movimento cultural. A ortodoxia do seu discurso, a estética da sua liderança, o espírito e o estilo cooperativo das suas manifestações coletivas (máxime na Festa do Avante) garantirão audiências, interesse, mas não eleitores.
O problema é que, de arrasto, hipoteca a única dimensão política ainda diferenciadora e viva: a sua dimensão autárquica e local.
Talvez em nome desta se decida a recomeçar um caminho novamente autónomo. Afinal de que serve puxar a árvore do PS à Esquerda se com isso correr o risco de perder as suas próprias raízes?
*ANALISTA FINANCEIRA